À MODA DE UM TESTAMENTO
>>Eduardo Loureiro Jr.
E se esta não fosse apenas mais uma crônica de domingo? E se fosse a última? E se daqui a uma hora e meia eu perdesse completamente a memória, desaparecesse ou simplesmente morresse? O que eu deveria escrever se esse fosse meu último registro escrito, se fosse por meio deste texto que as pessoas compreenderiam minha partida inesperada e toda a minha vida?
Talvez fosse bom eu deixar um testamento. Mas eu tenho tão pouco... Os livros e os jogos -- eterna companhia e aprendizado -- para a sobrinha. Os escritos -- substitutos dos filhos que não tive -- para a família. Os computadores -- extensões do corpo e da mente -- para a mulher. As roupas e os órgãos -- incluindo os olhos castanho-esverdeados -- para doação. Mas os testamentos são muitas vezes uma tola tentativa de continuar participando quando não se pode mais participar, de compensar algo que ficou por ser feito. Ser a companhia, o aprendizado, os filhos, a extensão, o agasalho e o auxílio que não se quis ser em vida.
O que se pode deixar quando se vai partir? Uma idéia, uma mensagem? Que tenho eu pra dizer além do que qualquer sábio já disse: "amem, amem, amem... amém"?
Poderia dizer que não fui de vez, que nos reencontraremos em outra vida ou em outra dimensão. Poderia dizer que não é nada disso, que o fim é o fim, e que é melhor vocês nem se preocuparem com a minha pessoa. Poderia pedir desculpas pelo que fiz ou deixei de fazer. Poderia dizer "esqueçam a literatura, o que importa é a mensagem" ou o contrário: "esqueçam a mensagem, o que importa é a literatura". Ou então:
"Vou fazer uma mágica. Querem ver como eu consigo me fazer desaparecer?"
E assistir ao riso de incredulidade de vocês, depois ao olhar de espanto, depois à respiração de ansiedade, depois às palavras de desespero, depois aos urros de raiva, depois ao silêncio de desencanto, depois ao suspiro de aceitação.
E eu tentaria aparecer novamente com um grande sorriso no rosto, dizendo "gostaram da mágica?", mas já seria tarde demais.
Comentários
beijos
E confesso que fiquei assustada com essa crônica...
beijo!
Alô, alô, está aí?
Câmbio.
E se quiser deixar algo para alguém, deixe a si mesmo, mais um pouco de si, para nós, amigos e anônimos que atravessamos seu caminho.
Seria o melhor legado deixar boas - e reais - lembranças de sua pessoa.
Então, negue-se a estes seres um pouco menos, permita-se olhar, conversar e mostrar-se um pouco mais. Seja mais que brilhante, amoroso, inspirador... seja presente.
Seja nosso presente.