INQUIETAÇÕES [Sandra Paes]

Me pego tamborilando os dedos sem melodia ou ritmo. Não há um pensamento sequer que justifique essa arritmia. Não, não procuro uma música pra justificar o tamborilar. Tem gente que rói as unhas, olhares fixos na batida de falta diante do gol, à espera de uma vitória para seu time de futebol. Nem isso... Não me treinei pra ser torcedora, daquele tipo que anda pra lá e pra cá, fala alto com o locutor ao longe e diz palavrões para o técnico que do lado de fora também anda pra lá pra cá - e berra: “Seu ****!”

Também não é esse o contexto. A televisão pode estar ligada com qualquer um falando sobre o tema de sempre: tragédias, queda da bolsa, queda do dólar, justificativas diversas pra abandono, fome, perda total de casas, não importa se por devastação de águas, bombardeios, tornados ou outros desastres provocados pela briga incessante entre os países. Também não é isso...

Descubro que há uma água que corre desmedidamente no banheiro, vinda de algum lugar. De novo? Deixaram a descarga vazando e nem tiumps? Sim, parece que é. E lá vou eu de novo ligar pra portaria e pedir providências pra evitar o desperdício. E, de novo, a mesma coisa, a desinformação do porteiro sobre o assunto e a atitude de sempre: nenhuma! Vai ficar pro dia seguinte.

E de repente: eureka! É isso.

Estou inquieta porque não suporto mais esperar para soluções no dia seguinte. Não sei que pressa é essa. Mas conviver com o arrastar do jogo democrático, a manipulação financeira por todos os lados, os abusos de tempo, a ignorância crassa dos atendentes por telefone e essa coisa que não anda porque as pessoas estão fisgadas por um sistema deliquente, me deixa inquieta.

Não assisto aos shows sobre “respostas certas” a serem dadas pra perguntas idiotas valendo alguns cifrões, mas, de novo, o mesmo jogo da provocação e da espera.

Foi assim com as paqueras, com os flertes de outros tempos, com o resultado de exames, da prova escrita nos concursos diversos pra bolsa de estudos em alguma instituição, sem falar nas filas de espera para pagar contas, mostrar que se é capaz de estar em dia com os credores, mesmo diante de greves bancárias intermináveis e toda essa especulação ridícula em torno de o que fazer quando não há onde pagar o que se deve.

E lá se foram anos e anos de espera pra isso e etc., pra nada. No final das contas, é sempre a mesma coisa: como manter os idiotas andando em círculo pra justificar a existência e se divertir no intervalo com qualquer bobagem.

Sim, a inquietude cresce e vai se transformando em ira ao me perceber como um ratinho em laboratório de pesquisas correndo numa rodilha pra mostrar pro observador o que fazer com meu comportamento condicionado. E eu ainda penso. Ainda cogito que tudo isso é loucura controlada mesmo, vejo toda a arapuca e vem outra angústia. A de não saber como sair dessa roda tosca, porque de vida nada tem, é apenas o prorrogar da neurose humana em nome do progresso e do avanço tecnológico e da distribuição de renda.

Aahhhrrrggg! Que fartão!

Não dá mais pra ver todos os carros engarrafados, os malucos de carteirinha se comportando direitinho pra não perder pontos e ter o direito de ficar transitando duas horas a mais por dia só pra ir pro emprego e ainda dar graças a “Deus” por ter onde se engarrafar. Afinal, vai ter dindim pra entrar na fila e pagar contas e dizer a si mesmo que a vida vai bem. Vai dar até pra tomar uns chopps com os amigos e ainda ver o time e torcer e ficar inquieto de novo - mas dessa vez por uma boa causa. Afinal, o time pode entrar pra final do campeonato.

E daí?

Há quantos anos os ratinhos motorizados vivem na mesma rodinha pra depois se aposentarem e viajarem pela televisão, visitando todas as paisagens que mostram nos diversos programas bem editados sobre os lugares mais fascinantes do planeta?


É tudo a mesma coisa: cria-se a inquietação e procura-se mantê-la em alto nível de disposição porque, afinal, se não houver inquietudes, como manobrar as esperanças e os discursos de melhora de vida?

Mas que vida? Esse programa ridículo de brincar de casinha, brincar de proprietário e pagar uma baba pelos títulos e rótulos que dizem que o carro é seu, a mulher é sua, o homem é seu, o apartamento é quase seu, e a vaga na garagem talvez possa ser sua.

Arghhh! Amanhã sai o resultado da biópsia e com ela a sentença de vida limitada, ainda um pouco mais. E tem gente que ainda acha que a vida é uma maravilha!

E como diria meu poeta português:- “Me sinto presa num manicômio sem estar num manicômio.” E esse estar entre, esse quase que não se esvai...

Comentários

É, Sandra...O "ser nosso", o culto do "ter" é algo muito, muito relativo...Mas esse manicômio sempre tem uma janela que, muitas vezes, só os "loucos" enxergam flores através dela...
Simone disse…
É Sandra, pois eu me sinto no próprio manicômio faz tempo, nesse laboratório chamado de vida. Enfim...
Bjs minha querida. Simone

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