E AGORA? >> Eduardo Loureiro Jr.

Já lhe aconteceu alguma vez acordar e não ter a obrigação de fazer nada durante o dia? Não ter que se levantar, não precisar fazer nada pra ninguém, não ter que trabalhar, não precisar encontrar pessoa alguma, não ter que consertar algo ou fazer compras pra casa... Um dia assim já lhe aconteceu?
Comigo tem acontecido com alguma frequência, e isso já antes de eu começar essa longa viagem. Tem dias que chego mesmo a pensar que a vida pode ser, cotidianamente, assim. Parece o paraíso. É como ganhar na loteria. E realmente há muita sorte e fortuna em viver assim.
A maior dificuldade -- e eu a tenho enfrentado algumas vezes -- é lidar com uma simples pergunta: "E agora?".
Sim, você acordou. E agora? Tudo bem: levantar, mijar, lavar o rosto, tomar café, escovar os dentes, cagar... mas e depois? O "e depois?" não é nada, acredite. A coisa fica realmente feia é quando o "depois" chega e vira "e agora?".
No princípio, a tendência é a gente repetir aquelas coisas que já faz -- desde que elas nos dêem algum tipo de satisfação: ler, caminhar, ouvir música, assistir filme, checar e responder e-mails, tocar violão, compor, escrever... Você faz várias combinações diferentes das mesmas coisas que gosta, mas a pergunta sempre vem: "E agora?"
Tudo bem, em parte é aquela culpinha básica de alguém inserido numa sociedade orientada para o trabalho. Mas mesmo depois que você toma consciência e se livra da culpa, ainda fica zoando a pergunta: "E agora?"
Tem horas que é aterrorizante ter "alguém", essa voz, lhe perguntando sempre a mesma coisa. Aí você descobre que pode, você mesmo, fazer a pergunta para a tal voz: "E agora, o que você sugere?" Dá um alívio, porque você passa a batata quente para a outra "pessoa". Você está, finalmente, livre da última coisa que lhe prendia, da sua única obrigação restante: o ter que decidir fazer alguma coisa, qualquer coisa de sua própria vontade.
Mas não é que a voz responde! Responde quase num sussurro, mas é um sussurro firme. Ela não diz "que tal se...". Ela afirma: "faça isso". E é mais aterrorizante ainda estar diante da resposta "faça isso" do que da pergunta "e agora?". Porque seria no mínimo indelicado da sua parte dizer que não, que não vai fazer aquilo. E você ainda tem medo. Medo não de desagradar a voz, ou de que ela o repreenda dizendo "mas, afinal, você perguntou pra que se, no fundo, não queria saber a resposta?". O maior medo é de que, se você não fizer o que a voz diz, você terá mais dificuldade para escutá-la da próxima vez que fizer a pergunta. Não porque a voz seja vingativa, mas porque você mesmo fechará um pouco mais os ouvidos da próxima vez.
E então você diz "tudo bem, eu faço". E faz, na esperança de que tudo se acalme em seguida. Mas o terror só aumenta, porque aquilo que a voz lhe disse parece ser a coisa certa e detona uma sequência de eventos que podem jogar você novamente naquele esquema de ter de fazer alguma coisa, não porque você seja obrigado, mas porque seria muito estranho chamar alguém pra dançar e ficar parado justamente quando a música começa.
No fundo é isso, uma questão de dança, de fluxo, de movimento.
A crônica já está escrita (com dois dias de antecedência).
E agora?
Comentários
Deus o abençoe.
Beijos da mãe
Mãe, gostei da bênção. :) Amém.
Ler sua crônica me despertou para alguns “e agora?”. É sempre muito mais fácil, mesmo quando é difícil, acompanhar o questionamento de outro sobre nós. Mas como gosto de uma boa interrogação... E agora? Café, meu caro... Não há quem possa lidar consigo mesmo sem uma boa xícara de café.
Ontem, apaguei estas luzinhas e fiquei vendo Ameliè Poulain, pela enésima vez, curtindo o friozinho da tarde de Belzonte. Nem a roupa da máquina eu tirei. Deixei lá, no molho para hoje cedo.
E agora? Sei lá... vamos por partes, caro Jack!
Beijos
Cristiane, fiquei zonzo com sua lista, mas me recuperei quando você escolheu rever o fabuloso destino daquela encantadora francesinha. :)
Marisa, normalmente eu penso isso das viagens. :) Férias são uma coisa que faz tempo que não sei o que é. :))
Ah, há alguns anos fiz um poema sobre a "coisa", ou melhor, o "coisar":
Eu só queria conjugar o verbo coisar.
Eu só coisava coisar o verbo coisar.
Minha irmã diz que é o verbo que deveria existir,
o único.
Eu entendo como se a vida fosse só tomar sorvete.
Eu coiso como se a vida coisasse só coisar sorvete:
todo mundo entende.
O verbo coisar tira a roupa dos outros verbos
e deita na cama para não pensar,
apenas para dormir e sonhar com um substantivo
que avance coisa adentro e que solte um grito.
Apenas para coisar e coisar com um substantivo
que coise coisa adentro e que coise um grito.
Coisar: verbo que conjugado sozinho
é Deus que está em tudo e em nenhum lugar.
Minha irmã estava certa quando sorria
à medida que eu conjugava o verbo.
Sabrina coisava certa quando coisava
à medida que eu coisava o coisar.
(Eduardo Loureiro Jr.
Nada pra fazer, hora de se ver...
ou de se olhar pro lado, e enxergar alguém, que pode estar ali só esperando você se desatarefar pra poder se doar...
Pense nisso, meu caro. Com carinho...Ana.