SINAIS >> Eduardo Loureiro Jr.

 Marry Me - Michelle Lehman
Veja você que coisa mais estranha...

Primeiro foi uma mensagem no celular. Uma mensagem antiga que reli ao apagar uma mensagem nova. Eu guardo algumas mensagens antigas de celular porque aprendi a namorar com bilhetinhos — numa época em que não havia celular. Minha primeira namorada pra valer sempre me escrevia bilhetinhos de amor, e eu também passei a escrever bilhetes de amor, e depois poemas, para ela. Essa minha namorada me deu certa vez um marcador de livros — talvez venha daí meu gosto por marcadores de livros — que ela mesmo fez com um pedaço de cartolina amarela. O marcador, retangular, tinha as bordas aredondadas, suaves ao toque, e um laço de fita rosa, preso em um orifício feito com aquelas maquininhas de perfurar papel. E, como se não bastasse tanta delicadeza, minha namorada ainda escreveu, com sua letra também arrendondada, um trecho de um poema daquele que se tornaria meu poeta preferido — Fernando Pessoa — sob heterônimo de Ricardo Reis:

Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.

Ainda guardo comigo esse marcador de livros de mais de vinte anos, assim como guardo a tal mensagem de celular que tem poucos meses e que diz assim: "Será que terei que desenhar o caminho de volta?". Que jeito mais bonito e espirituoso de alguém dizer que está com saudade! Quando reli essa mensagem, eu não vi as palavras, vi a imagem dessa mulher desenhando, numa folha de papel, eu num canto da folha, ela no outro, e a diagonal preenchida por setas e pontilhados. E esse foi o primeiro sinal.

Depois foi um sonho. Ah, os sonhos... Quando eu fazia faculdade, me impressionava muito uma pichação frequente nos muros de Fortaleza: "SONHOS... ACREDITE NELES." Aquelas três palavras, escritas em vermelho e letra de forma tinham um quê de mistério, pois diferiam das pichações politizadas a que eu estava acostumado. Parecia escrita com a mesma tinta e com a mesma letra, mas não se parecia em nada com "ABAIXO A DITADURA" ou "FORA FMI". "Acreditar nos sonhos?! O que isso quer dizer?", eu me perguntava. Acreditar nos sonhos é como acreditar num bêbado. É como acreditar em Vinícius — "Eu sei que vou te amar POR TODA A MINHA VIDA" — mesmo sabendo que ele se casou 10 vezes. Sonhos são tão confiáveis quanto o sonhador. E eu tenho dúvidas quanto à minha confiabilidade em relação ao sonho que tive. Eu acordava — no sonho — e percebia, antes mesmo de abrir os olhos, que minha ex-mulher estava comigo. Minha ex-mulher, que se separou de mim há pouco mais de quatro anos e que faleceu há pouco mais de dois anos, tem o hábito de me visitar em sonhos. Normalmente, são visitas agradáveis. É bom revê-la, sentir seu cheiro, tocá-la, conversar com ela. Dessa vez, quando eu tentei abrir os olhos para vê-la, ela não permitiu. E quando tentei tocá-la, ela segurou meu pulsos. E lá estava eu deitado em seu colo, sem puder vê-la ou pegá-la. Na cena seguinte do sonho, ela estava já na sala, saindo, e eu correndo atrás dela. Na sala havia também um astrólogo, e uma mulher chegando. A mulher argumentava fortemente com o astrólogo, e eu percebi que eu era o motivo da argumentação: a mulher estava exigindo que eu me casasse com ela. A sua exigência não era desesperada, tinha mais o tom de quem tem direito a alguma coisa e quer que esse direito seja reconhecido. O astrólogo virou para mim e disse: "O pedido é legítimo". E me lançou aquele olhar de "agora é com você". E esse foi o segundo sinal.

Então veio a carona. Eu sempre fui uma pessoa muito recolhida, introvertida, caladona, ensimesmada. Sou capaz de ficar dias sem me comunicar com ninguém. Até pensei em ser monge, mas as tentações do conforto venceram. Há alguns anos, as caronas se tornaram uma forma de sociabilidade pra mim: para um ermitão em vias de recuperação, é de grande auxílio adequar-se ao horário dos outros, aos seus ritmos e trajetos. E é também uma oportunidade de conversar. Existe uma pesquisa científica que diz que cada ser humano fala, em média, 16.000 palavras por dia. Para vocês terem uma idéia do que esse número significa, esta crônica, que já está me parecendo longa, excessivamente prolixa, tem até aqui 671 palavras. Segundo essa pesquisa, uma pessoa "normal" fala 23 textos desses durante o dia. Impressionante como as pessoas falam! E olha que deve ter gente falando mais do que isso, usando as palavras que eu não uso — é raro o dia em que falo mais de 1.273 palavras. Então caronas fazem com que eu use algumas das milhares de palavras a que eu tenho direito e que vivo poupando. Mas a carona que interessa aqui não tem a ver com palavras. Eu estava mais calado do que de costume — nem cantei, e olha que gosto de cantar com o carro em movimento. A pessoa que me deu carona precisava acompanhar outra pessoa, dirigindo seu próprio carro, até em casa. Eu fui junto, embora minha quadra ficasse bem antes. Para minha surpresa, o carro que acompanhávamos estacionou numa quadra conhecida. Levando em consideração que o Plano Piloto de Brasília tem mais de uma centena de quadras residenciais, aquilo tinha cara de coincidência, como se a mulher que mora ali tivesse desenhado o caminho de volta. "Coincidências", diz minha amiga e mestra Luiza de Teodoro, "são as rimas da canção da vida". E esse foi o terceiro sinal.

Pouco antes de eu começar a escrever esta crônica, ainda sem assunto definido, veio o filme. Aos domingos, eu escrevo e depois almoço. Mas como hoje acordei mais tarde do que de costume, resolvi almoçar primeiro. Eu tenho um hábito antigo de comer em frente a uma tela sempre que estou só. Mesmo quando estou sozinho num self-service, gosto de assistir ao movimento das pessoas como se fosse um filme, um noticiário, um musical... Antigamente, minha tela domiciliar era a televisão. Desde que me mudei para Brasília, é o monitor do computador. Enquanto o macarrão ferve, procuro algo interessante para assistir: uma reportagem que passou na TV, um clip, um trailler, um documentário num site de vídeos, ou ainda um filme. Deixo o vídeo carregando enquanto faço o molho do macarrão. O Youtube tem um canal de "cinema" que exibe curta-metragens de vários lugares do mundo. Em meus almoços, já assisti a pequenos filmes geniais — e a algumas bombas, claro — entre uma garfada e outra. Hoje eu poderia ter visto os gols da Copa São Paulo, poderia ter conferido o Globo Repórter de sexta-feira (fiquei curioso sobre a terapia do riso, de que uma amiga minha me falou), poderia ter visto seguidamente, em loop, a versão ao vivo de Mart'nália cantando "Don't worry, be happy" (genial!) ou poderia ter assistido ao trailler de "Ponette" (filme antigo indicado por outra amiga). Mas resolvi digitar "screening" e o Firefox, inteligente que só ele, me mostrou o link do canal de cinema do Youtube, que eu não visitava há mais de um mês. A página inicial mostra um filme aleatório, escolhido entre aqueles atualizados mais recentemente. O vídeo que foi sorteado pra mim tem o título de — veja só! — "Marry me" ("Case comigo"). Parece brincadeira. E é — brincadeira das mais sérias. O filme é sobre uma menininha linda que decide se casar com um menininho egocêntrico ("eguacêntrico", como diria ingênua e sabiamente um outro menino que conheci esses dias). O problema é que o menino do filme está mais interessado na própria bicicleta do que na menina. Pense numa menina que faz de tudo — lindamente — para chamar a atenção. E pense num menino monossilabicamente cego. O final do filme — que só vê quem tem paciência para assistir aos créditos — é feliz e cômico. E esse foi o quarto sinal.

Não, caro leitor, não adianta você me dizer que não entende inglês: eu não vou contar o final do filme. Até porque eu ainda não decidi.



Comentários

Anônimo disse…
De quantos sinais é feita uma decisão final? rs... Bela crônica. Amei!
Anônimo disse…
Oi Junoca,
Adorei! E vou aguardar até o final do filme :o).
Bj e abraço,
Tia Monca
Anônimo disse…
quem é a sortuda?
Bela pergunta, Adriana. :) Espero que caibam todos nos dedos de uma única mão. Grato,

Grato, Tia. Vejamos que surpresa nos aguarda o final. :)

Anônimo, a sortuda é anônima. :)
Anônimo disse…
sortuda mesmo!
eu AMO as coisas que voce escreve.
beijo
Juli
Juliêta Barbosa disse…
Eduardo,
Acredite em sinais e não dê pausas à vida. A hora de ser feliz é agora!
Passei 16 anos casada e quando meu marido resolveu ser feliz ao meu lado, só teve direito a 39 dias. Sofreu um infarto fulminante aos 45 anos. Pense nisso! Apesar de parecer piegas, só se é feliz quando se dá ouvidos ao coração. Ele é a nossa melhor bússola.
Eduardo, algo me diz que esses sinais vao preencher as suas casas de 2008...*pisc. E isso é apenas um muito de um tudo que eu desejo para você em 2009. Você merece! :)
Anônimo disse…
Casar ou não casar? casar e morar em casas separadas... o seu amor ame-o e deixe-o viver...
Grato, Juli. Ontem ouvi um tanto de "Rescue me" (Fontella Bass) por sua causa. :)

Estou pensando, Juliêta. E estou sentindo. :) "O meu mestre é o coração, meu tambor do peito, meu amigo cordial."

Um muito de um tudo, Marisa? Minha Nossa Senhora! Vou ter que me preparar. :)

Anônimo, a velha questão: como ser um sendo dois? ou como ser dois sendo um? :)
Carla S.M. disse…
Eu acho que vc já sabe o final do filme, sim... ;) e é daqueles felizes!
Anônimo disse…
Os sinais são muito valiosos.

Tenho uma boa historia sobre sinais também, pena não saber escrever tão bem. Um dia te conto.
Beijo
Ah... e Boa Sorte!!!

Silvana
Oi, cArLa! Se eu sei o final, ainda não me contei. :)

Silvana, tá anotado em minha agenda: adoro histórias sobre sinais. :) A melhor de todas, pra mim, é aquela do filme "Escrito nas Estrelas".
Carla Dias disse…
Eduardo... Resta-me torcer para que o final do filme seja bom para você e para essa moça que, até os seus recorrentes sonhos, já conquistou.
Isso, Carla, torça, torça, torça. :)
Juliêta Barbosa disse…
Eduardo,não quero ser invasiva mas o seu "sinais" mexeu comigo. Quem sabe, isso também seja um sinal? Pense no que escrevo abaixo:

Por que será que estamos, na maioria das vezes, adiando decisões e empacotando felicidades para serem usufruídas mais tarde?
Há sempre um amanhã... Um depois... Um quando eu estiver pronto... E a vida feita de pausas vai passando em desacordo com o relógio do tempo. Quando nos damos conta, o que temos é um corpo gasto, cansado, arrastando-se por aí, atrás de uma juventude perdida, de um ideal não concretizado, de uns minutos a mais para viver na UTI da felicidade. O que temos é uma alma vestida de palavras suspensas: quase, talvez, quem sabe um dia e, depois, um coração atormentado pelo “se”: se eu tivesse dito, feito, ido, amado.
E o tempo escorrendo por entre os dedos, feito areia da praia, nos diz: agora é tarde!
Decididamente, eu não gosto de pausas. Eu tenho fome de viver!
É, Juliêta, parece que tem algum sinal pra você nessa crônica mesmo. :)

Cada um tem seus próprios movimentos de alma. Aos acomodados, convém ousadia. Aos precipitados, convém cautela.

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