OUTRAS BIOGRAFIAS >> Leonardo Marona

“walt whitman”

permita-nos mergulhar de cabeça
na fonte e nos arbustos densos
de uma nova delicadeza revoltada
– nós também precisamos passar.

fomos por muito tempo presas
assustadas, engolindo os erros
acumulados pela fé decapitada.
e por muito tempo ficamos fora
dessa tal “Grande Equalização”.

por favor, deixe-nos passar agora.
falo por nós e não só por mim,
pois, como eu, são, foram muitos.

não nos deixe, delicadeza, voltar
à casa, infestados e desprovidos
desse líquido seminal que, cegos,
chamamos de amor entre os seres.

você, velho libidinoso, que vê
bondade em tudo – mas a visão
será somente do poeta – você
nos abriu os corpos paralisados
diante de um precipício lento.

nós somos os das entranhas malogradas,
aglomerados em redomas achatados por
grandes perdas – enormes corporações.

muitos falaram, inclusive você, por nós,
não duvidamos de suas boas intenções.
mas nunca um de nós falou por nós e já
não podemos mais esperar, abre já a porta
portanto sem demorar mais e nos arranque
de todo esse equivocado, antigo sacrifício.

você tocou o primeiro clarinete de fogo.
deixe-nos sair do fogo, recuperar a casa.


“blaise cendrars”

passa arrastando-se diante de mim
o homem arrasado sobre muletas.
na cara de dor o sorriso constante
contrasta com sonhos de caverna.
a perna tomada pela gota, a pata
bem mais que um pé fere a visão.
além eunucos equilibram pastas
diante da cruel visão do concreto.
com a pele curtida de sol, assada,
ele não tem uma perna, o alfinete
prende a boca da calça sem perna
e, curiosamente, está bem vestido.
o homem pode ser Blaise Cendrars
voltando aleijado da viagem infeliz.
como Blaise, esse infeliz sem perna
havia viajado muitas vezes e ainda
viajaria outras muitas mais, apenas
que eu, do outro lado da rua, nunca
poderia compreender o que faz um
homem viajar tantas vezes e assim
permanecer além do tempo, como
alguém que inventou o muito longe:
os maníacos cavadores de confins.


“william zanzinger”

hoje eu sou William Zanzinger,
sozinho, ultrapasso os pórticos
de Dante e sigo com passo reto;
matei a menina com violência,
bêbado, tenho as costas quentes,
na rua alguns posam estupefatos
– não sabem muito bem o que é
estar por um triz, assim, a queda
diante dos olhos, o discernimento
há milhas do pensamento inútil
de puxar o porrete para mais perto,
perto demais do ato que me faz
ser hoje antigo algoz dos tempos,
carregador da cruz de todos nós,
assassino inviolável, perturbação
que melhor seria tentar o suicídio,
mas alguns homens não escolhem
perder ou ganhar, eles não sabem
mais receber nada, e eu sou agora
William Zanzinger ultrapassando
os pórticos e ele está hoje morto,
William Zanzinger, e sobre mim
nem ao menos fizeram uma canção*.


*Lonesome Death of Hattie Carroll (Bob Dylan)



www.omarona.blogspot.com

Comentários

Léo, obrigada por atender aos pedidos dos fãs.Você consegue me surpreender sempre com seu talento! :)
Muito legal essa série, Léo. Renderá um belo livro.
leonardo marona disse…
vcs dois são meus leitores assíduos e, mesmo que isso talvez não seja lá muito saudável, estou próximos de vcs por isso, e fico feliz.

muito obrigado pela leitura e generosidade constante.

Leo.
Anônimo disse…
...concordo com a Marisa: é impressionante como você escreve e o quê escreve. Vida longa ao poeta!

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