A NADADORA UCRANIANA E AS ESCOLHAS DE NOSSOS FILHOS [Maria Rita Lemos]

A briga ocorrida entre Mikhail Zubkova e sua filha Kateryne, 18 anos, ocorrida há alguns anos no Campeonato Mundial de Natação de Melbourne, na Austrália, acabou em pancadaria e foi globalizada para todo o mundo, via net.

Qualquer pessoa pode ver a surra do pai e técnico na filha, inclusive em vídeos, cabendo todos os tipos de comentários. O xis do problema é que Kateryne, campeã na modalidade costas, já havia ganho várias medalhas em outras competições, mas não foi muito feliz nessa prova de Melbourne, e por isso a jovem ucraniana foi espancada por seu pai, Mikhail, que não se conformou com o desempenho da filha.

Um dos comentários feitos dizia respeito ao fato de que Kateryne revelou que nunca quis ser nadadora, só se conformando aos árduos treinamentos com o próprio pai para agradá-lo. Lembrei-me disso quando estava, nesse fim de festa de ano-novo, conversando com minha neta Paloma (16). No meio de outro assunto, ela me disse que estava em dúvida sobre terminar o curso de técnica em Nutrição, que começou no início de 2008, ou terminar o curso médio, do qual está no último ano, fazendo, no outro período, um cursinho pré-vestibular para prestar o ENEM e tirar boas notas, de sorte a conseguir vaga numa faculdade pública de Moda, em São Paulo, que é seu sonho dourado.

Pega de surpresa, pedi para pensar um pouco, mas nem precisei de muito tempo. Pouco depois eu já lhe dizia que ela é que resolveria o que achasse melhor e teria nosso apoio, isto é, meu e de toda a nossa família, para o que desse e viesse. Claro, dentro de nossas possibilidades. Falei sabendo que ela, uma menina dedicada aos estudos, madura e valorosa, fará o que realmente sonha, e lutará por isto. Lembrei-me, no mesmo momento, da pobre Kateryne, campeã triste que não teve o direito, pelo menos não até o Mundial de Melbourne, de decidir seu destino.

Não sei o que houve depois, os noticiários só publicam os escândalos, mas tomara que o pai dela tenha entendido. Ou que ela tenha tido a coragem de seguir em frente, lutando pelo que deseja.

Na verdade, a expectativa e a influência das famílias em relação ao futuro profissional dos filhos é um fato verdadeiro que começa muito antes da adolescência, nos anos que a antecedem, quando o(a) jovem forma sua personalidade.

O que deve ser pesado é se essa influência é positiva ou não. No primeiro caso, a família escuta o filho e providencia o necessário espaço para a sua informação, de forma que ele conheça todas as profissões possíveis e descubra seus saberes e quereres. Negativa é a influência familiar, consciente ou não, que direciona o jovem para aquilo que acredita ser o melhor para ela.

Pode até ser uma profissão “genética”, como chamamos em linguagem técnica as que passam, por gerações, de pais para filhos, sem ninguém procurar saber se Joãozinho quer ser médico como o pai, administrar aquele grupo, mega ou pequeno, ou sonha calado em ser músico ou ator. Mesmo que movidos pelas melhores intenções, os pais ou seus substitutos podem achar estar fazendo o melhor para o filho(a), encaminhando-o para as profissões “de futuro” (que é isso?), ou ainda, e principalmente, para as que são melhor remuneradas, ou oferecem melhor “status”. Ou ambos.

É urgente lembrarem-se de que esses podem ser os valores da família, não necessariamente os de João ou Maria, seus filhos. E que a imposição deles vai ser um peso grande, que talvez não deem conta de levar, ou o façam, mas sejam maus profissionais, ou pessoas amargas.

Uma atitude que ajuda os pais, nessa hora de ouvir os filhos sem interferir, apontando sem decidir por eles, é um exame da própria consciência: será que eles mesmos estão na profissão que queriam? Tiveram a oportunidade de escolher, ou foram no embalo também, e hoje sonham com o que poderiam ter sido ou feito mais prazerosamente? Essas reflexões me fazem lembrar de três anos atrás (credo, já se passou tanto tempo?) quando fui levar meu filho à sua nova moradia em Ouro Preto, até hoje a mesma de quando ele ingressou no curso de Filosofia pela Universidade Federal dessa cidade mineira.

Eu, que ainda tenho a mesa que foi de papai no consultório, e pensava às vezes em deixá-la de herança também para meu filho, como já a usa minha filha também psicóloga (por vocação), tive que fazer cara de paisagem ao pensar em quanto talvez meu filho tenha que penar como professor de Filosofia (“sofressor”, como diz pessoa querida) logo em Minas Gerais, meu estado natal, porque para São Paulo ele já avisou que não volta. Enfim, é o que ele quer. Termina no próximo ano seu bacharelado em Filosofia, e já está engatilhando o mestrado.

Não é exatamente o que tínhamos pensado para ele, mas quem somos nós para pensar por e para ele? Somos apenas os arqueiros, como diz Khalil Gibran, dessas flechas em direção ao futuro que são nossos filhos e filhas. Certo que não era o que pensávamos. No entanto, o brilho dos olhos de meu filho, nas poucas vezes que vem a Limeira, cheio de “dreads” em seus longos cabelos cacheados, camisetas amassadas e livros de Filosofia, na mochila me diz que agimos certo. Ele escolheu e está feliz, é o que vale.

Quanto à Kateryna, ela pode ter fracassado no Mundial de Melbourne, mas foi campeã ao nos ajudar, como pais e mães, a refletir sobre quão odiosa pode ser, para nossos filhos, o pensar e sonhar por eles.

Comentários

Excelente reflexão, Maria Rita, ainda mais em tempos de vestibular, onde a pressão aos jovens ganha uma dimensão imensa.
Que todos os pais possam ter essa consciência, mesmo que discordando da escolha dos filhos...
Beijo.
Juliêta Barbosa disse…
Sábia decisão, Maria Rita! Concordo com você e digo-lhe mais: se os pais respeitassem os filhos e não os vissem como propriedades suas, teríamos jovens bem sucedidos e mais felizes.
sandra disse…
que tema interessante esse...vocaçao, talento, oportunidade, suporte familiar, ausencia de todos...
Valeu sua reflexão sobre tais questóes.Eu fiquei aqui a pensar sobre modas, tempos, chances, crises, e persistencia de querer...

Beijo,

Sandra
Unknown disse…
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