VERDADES INDELICADAS >> Carla Dias >>


Quero dizer. Com a honestidade escancarada, eu digo, escute:

Passo um tempo a cultivar coragem, dedicação que descarto, diante do primeiro erro do dia, a ser cometido em sua homenagem. 

Meu afeto é verdadeiro, mas também é de se disfarçar de indiferença, acostumado que se tornou que dele as atenções declinem, apesar de... Ah, esse muro chamado “apesar de...”, que evita desapontamentos ao arremessar ao seu alvo um punhado de cruéis mágoas, como se elas fossem menos prejudiciais do que a verdade.

Acontece de quase sempre não querermos o melhor que dá trabalho, que sempre traz questionamentos. Escolhemos os prazeres imediatos, as delícias breves, porém deliciosamente delícias. Preferimos pagar o preço do vazio que nos deixam, ao partir de nós, feito reembolso da tristeza interrompida.  

Penso: que dia será o amanhã que espero? 

O quando que desejo que me aconteça? 

Chegará o dia em que a chuva baterá no meu corpo, de jeito de lavar embora a tristeza?

Declamo, para que conste nos autos do pecado, em nome da redenção burlesca, que meu desejo é ter trabalho, porque aprecio aprender o outro, com o outro, entre o prazer e a insatisfação, e enquanto eles se enredam, reescrevem-se a cada sorriso e a cada lamento. Não pense que me iludo, mas saiba que eu me comprometo. E comprometimento é a minha verdade. 

Acontece que o que me falta, também me preenche, feito os labirintos que costumamos criar, na tentativa vã de enganar verdades indelicadas. Quem disse que conseguimos saber de tudo, assim, com a consciência completamente acordada? Labirintos são imprescindíveis; soníferos comprados às escondidas, apesar de termos a receita para adquiri-los na maior honestidade.

Essa coisa de construção leva tempo e tormentas. É de quando acordamos em um dia complicado, apinhado de loucuras. De quando despertamos para o que é mais do que aventura, é companhia desejada. É cada sentimento cultivado, nas mãos do deslumbramento, tão afiados quanto as mágoas. De quando carecemos de um sentimento muito mais nobre do que a indiferença. Então, a dor lateja suas manias na fartura da nossa benquerença, e, ainda assim, permanecemos, porque queremos permanecer.

carladias.com

Comentários

branco disse…
"...tão afiados quanto as mágoas.". e muitas vezes seguramos essa faca pelo fio. te ler é como mergulhar em um oceano, que de tão profundo, pode nos afogar, mas o risco vale a pena, pelas belezas que esse mesmo oceano nos mostra.
Zoraya Cesar disse…
"Preferimos pagar o preço do vazio que nos deixam, ao partir de nós, feito reembolso da tristeza interrompida."
Carla Dias... putz. Que texto, hein?
Carla Dias disse…
Branco, obrigada por se arriscar nesse mergulho. Beijo.

Zoraya, obrigada, obrigada, obrigada. Beijo.

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