MATANDO NO PEITO >> Clara Braga

Quando você nasce, passa os três primeiros meses de vida sofrendo com cólicas e transformando a noite dos seus pais em noites difíceis. 

É a primeira crise que você enfrenta, embora você não lembre. Mas pode perguntar para seus pais, eles não esqueceram. 

Depois, vem a crise dos dentes. Essa também é pra lá de complicada e deixa os pais doidos. Você também não lembra, mas seus pais devem lembrar. 

Depois passa um período de uma certa calmaria, embora tenham saltos de desenvolvimento, viroses e febres pós vacinas. 

Então, você faz dois anos e passa pelo temido “terrible two”, que alguns chamam de adolescência da criança. É quando ela percebe que é um indivíduo diferente dos pais e começa a testar seus limites levando os pais a conhecerem o limite da sanidade mental. 

Essa é a crise mais longa desses primeiros anos de vida. Alguns dizem que dura até os três, outros até os quatro e outros até os seis. Eu, como mãe, prefiro acreditar nos que dizem que dura só até os três. 

Embora seja longa, é bem capaz que você também não se lembre, a não ser que você seja uma pessoa realmente muito boa de memória, mas seus pais não esqueceriam da crise mais longa da sua vida, até então. 

Depois aparecem outras crises pontuais, mas nada comparado à pré adolescência e à adolescência em si. Essas já são crises bem lembradas, regadas de muito hormônio e de decisões que até hoje você não saberia explicar. Tudo é intenso e você odeia lidar com a aparente bipolaridade dos pais que hora dizem que você é novo demais para certas coisas, mas grandinho o suficiente para outras. 

Então, você se torna um jovem adulto e as crises passam a estar menos relacionadas à espinhas e relacionamentos, e mais à escolha de um curso e profissão. Aqui seus pais voltam a ter noites tão mal dormidas quanto àquelas das cólicas, pois, embora a fase de crise aguda tenha passado, quando elas aparecem você se torna um ser humano em crise com carteira de motorista. 

Li recentemente que o cérebro de uma pessoa só está 100% amadurecido por volta dos 26 anos de idade. Ou seja, é lá pelos 30 que você já pode ser considerado totalmente adulto e pronto para encarar sabe o que? Mais um crise! Sim, fico boba de ver, mas parece que as pessoas gostam de definir cada etapa da vida com uma crise diferente. E embora eu tenha passado um bom tempo achando que quando você chegava aos 30 as crises iam sumindo, com uma pesquisa rápida você vê que não: existe uma crise nova para cada década de vida. 

Mas é curioso perceber que, conforme a idade aumenta, os títulos das reportagens que aparecem na pesquisa também mudam, aos 30 são mais ou menos assim: “muito comum, a crise dos trinta é uma realidade para muitas pessoas”. Já aos 50 ou 60 os títulos ficam assim: “pouco falada, a crise dos 60 é uma realidade”. 

Não sou da área, não tenho como explicar esse fenômeno, mas por uma questão de sobrevivência, gosto de pensar que chega uma fase da vida, essa por volta dos 30, que a pessoa percebe que não adianta passar a vida tentando fugir das crises. Tudo tem seus altos e baixos, crise nada mais é do que um período da vida que permite que a gente cresça, aprenda e evolua. Conforme a gente vai ficando mais velho, vai ficando mais maduro e, ao invés de negar a crise, a gente conhece mais formas de lidar com elas. 

Eu mesma já parei de tentar fugir das minhas crises, a próxima que vier já pretendo bater no peito e falar: pode vir quente que eu estou fervendo, baby! Claro, e logo depois vou ligar para a terapeuta, porque ninguém merece né...

Comentários

Albir disse…
Que beleza, Clara! Para ter crise basta estar vivo.

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