A FAXINA - final >> Albir José Inácio da Silva
(Continuação de 21/09/2020 – Jovino chegou
ao Rio em busca de emprego e dignidade, mas a vida aqui não melhorou. Só
conseguiu subemprego, não podia estudar e se não passou fome foi porque começou
a namorar a Valdeia. A moça lhe arranjou dinheiro, trabalho e até um celular)
E assim Jovino era o mais novo e
feliz diarista. Pelo menos até se aproximar do piano.
- Cuidado com o piano - tinha dito a
namorada.
Era um bicho de cauda com cinco
metros, uma relíquia do início do século passado. O verniz brilhava tanto que com
a luz das janelas e do lustre parecia soltar faíscas. Nele a filha da Condessa torturava
os vizinhos em aulas que duravam a tarde toda, segundo informou a Valdeia.
Ele estava fascinado, nunca tinha visto
um piano de perto. “Como será o som?” – pensou. Olhou o corredor, a varanda e o
escritório, ninguém, levantou a tampa e apertou uma tecla. O som tocou sua
alma. Apertou outra tecla e mais uma. Como gostaria de ouvir a moça pálida
tocar!
Alguma coisa que estava na mão ficou
na tecla branca. Passou a outra mão pra limpar e a coisa aumentou, passou o
pano úmido e a mancha se espalhou para outras teclas. Abaixou a tampa.
Foi ao armário de produtos de
limpeza. Dezenas de frascos. Será que tem algum que limpe pianos? Tentou ler os
rótulos, a ansiedade não deixava. Viu um X-tudo, parecia nome de sanduíche, mas
devia servir porque tudo é tudo.
Esfregou as teclas, a mancha se
espalhava, quatro de marfim e duas de
ébano estavam da mesma cor, cinza.
Foi nesse ponto que a Condessa pegou
Jovino demorando no piano. Ele fechou a tampa e disfarçou, alisando com o pano.
Quando ela se afastou, Jovino percebeu que o verniz ficou no pano.
Mais alguns minutos e a Condessa o avisou:
- Eu vou receber a Verinha da Cruz
Borba Pimenta de Barros Veiga Cabral!
- Já estou acabando, madame! –
respondeu Jovino quase em apneia. Mais cedo ouviu a Condessa dizer pra filha
que hoje ela ia tocar pra embaixatriz.
- Bem, estaremos na varanda . O
senhor poderá falar comigo quando terminar.
As madames tomavam chá com os
mindinhos levantados quando Jovino se aproximou.
- O senhor confere, por favor! –
disse a Condessa entregando o dinheiro. – E, mais uma vez, melhoras para a sua
esposa.
- Obrigado, madame. Está certo, sim senhora
– disse Jovino passando as notas sem conseguir contar. A criada-secretária
abriu a porta e ele não esperou o elevador. Pulou de três em três os degraus da
escada e correu até o ponto de ônibus.
O ônibus passava pelo Aterro quando o
celular tocou. Não atendeu. Desceu na Central do Brasil. O celular de novo, a
Condessa.
Agora era a namorada, não atendeu. Aviso de várias mensagens. Não leu. Chegou no guichê, mas recuou, saiu da fila. Pegou
o ônibus pra Rodoviária Novo Rio.
Comprou uma passagem pra Carangola,
um café e um pacote de biscoitos. Parece que adivinhou o horário.
Agora ônibus voa pela Avenida Brasil, Jovino relaxa e deixa o telefone quicar no assento ao lado. É Valdeia.
O telefone voa pela janela.
Comentários
sei lá!.... a única certeza, me diverti com as situações. mestre albir cada vez melhor (ou seja transitando dentro do impossível)