A MULHER DA ÁRVORE - Parte 1 >>> Nádia Coldebella
O SONHO
Domênico acordou suado. Sentou-se na cama. A esposa dormia profundamente. Olhou para o relógio. Seis horas. Examinou a si mesmo: coração acelerado, mãos tremendo, respiração ofegante. Havia sentido a mesma coisa nos dias que se seguiram à troca de tiros, dois anos atrás, quando seu batalhão tinha impedido o roubo da casa ali em Marés Pequenas.
Levantou-se com cuidado,
para não acordar Odete.
- Bandido bom, bandido
morto – riu amargo, pensando no adolescente que acertara na luta para salvar a
vida. “Parabéns, Domênico, parabéns, menos um pra incomodar”. Mas ele
não pensava assim, conhecia aquele menino. O vira pela primeira vez ainda
criança, no colo da mãe, quando ela, de olho roxo, veio prestar queixa contra o
pai.
Anos mais tarde, o
menino voltou, agora apreendido, depois de tentar assaltar o mercadinho com a
arma que o pai lhe dera de aniversário.
- Eu ganhei um revolvi! –
Tinha doze anos e estava orgulhoso, parecendo ignorar o motivo que o trouxera ali.
Daí em diante, voltou outras tantas
vezes, cada vez mais frio, com a face mais feroz, já com nome de bandido, olho vermelho
da maconha, bolso cheio de coca. Sempre dizia que ia dar um fim “nos homi”
e nessa hora olhava, seus olhos fazendo uma promessa fria, para ele. Bandido
bom, bandido morto, ouvira dois ou três imbecis falando, os mesmos que nunca
levantaram um dedo para ajudar aquela criança. Ele preferia aquele menino vivo,
ele tinha dezessete anos, a idade do seu filho e nunca teve a vida que seu filho
teve.
- Vilma está ficando
pontual. – Falou baixinho, Odete era ciumenta e talvez não entendesse o fato de
ele estar sonhando com a namoradinha de adolescência.
Mas ele não via Vilma há
30 anos, nem sabia onde ela estava, só que nas últimas noites ela aparecera em
seus sonhos, de camiseta branca e azul, com um número nove nas costas. Corria
num campo, parecia chamá-lo e apontava para uma arvore. Ele a seguia, mas
parava no meio do caminho, tentava ouvi-la, mas nenhuma voz saia de sua boca.
Ela só apontava, insistentemente, encarando-o com os enormes olhos azul-piscina
que, junto com os cabelos ralos, meio amarelo, e rosto branco sardento, lhe conferiam
um ar bastante sinistro. Ele seguia a
direção do dedo da mulher e seus olhos repousavam sobre o matagal que se
elevava próximo à raiz da árvore. Ele caminhava naquela direção e o que
acontecia depois não lembrava, porque sempre acordava fatigado.
- Domênico! – Ele foi arrancado dos seus devaneios pelo grito angustiado de Odete. – Domênico! – Ele levantou-se para correr ao quarto, mas não foi preciso, a esposa já havia chegado à porta da sala, acendendo a luz. Estava branca como cera.
- O que foi? – a voz dele
saiu sussurrada, quase para dentro.
- A Vilminha, Domênico.
Apareceu num sonho. Ela corria num campo e mandava você olhar para a árvore –
Ela começou a chorar - Você ia e... aí... e daí eu acordei assim...
Estupefato. Era assim
que Domênico se sentiu. A esposa sonhara a mesma coisa que ele. Mas ele resolveu
não lhe dizer nada. Ele mesmo não estava acreditando. Consolou-a e foi para o batalhão.
A verdade é que ignorou o
sonho nos primeiros dias, e diante da persistência, acabou contando para o Cabo
Antônio. Naquele dia chegou mais angustiado que de costume e foi logo contando tudo
para o amigo.
- Então, o senhor
precisa saber logo disso, Sargento. – falou o cabo, com uma certa urgência, olhos
esbugalhados em Domênico – Telefonaram da delegacia de Rio da Fortuna. –
Domênico estranhou. – Estão procurando os antigos amigos de uma tal de Vilma. Querem
saber se alguém sabe dela. Faz sete dias que ela desapareceu...
Continua...
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