RUA TENENTE >> Fred Fogaça
As cadeiras dos vizinhos na calçada observam o reboliço no fim da rua. Com o escuro, ele baixa meia porta, o que já é um sinal do fim do dia, os produtos de exposição ainda pendurados do lado de fora e ele vai tirando, devagar e guardando tudo, observa. Todos aqueles pares de olhos frios medindo a fofoca que vindo boca à boca, vão se consternando num afeto que é quase uma empatia. O filho da vizinha foi sequestrado. O pai também não tava preso? Ele recolhe, pouco a pouco, o que colocou fora pra viver o dia e vai se recolhendo inevitável, um pouco mais lento talvez que ontem, mas imperturbavel. Não era um carro vermelho? Você viu um carro vermelho? Um Corsa dessa cor não passou aqui a pouco? Ele nota, ali, meio as exaltações, pronto pra se findar do dia, à meia porta pra esquecer o mundo, que ninguém chamou a polícia. Os postes vão acendendo e os vizinhos mantém seus lugares solenes pelo correr da calçada, ainda tem cerveja aqui e ali que corre alterando uns cigarros e as vezes um café compartilhado distribuído em copos americanos. As pessoas se olham, refletem, ninguém chamou a polícia mesmo. Há um vai e vem de curiosos que procuram aqui e ali alguém atento no movimento da rua, atento num rosto, placa, detalhe do carro ou qualquer coisa, mas existe um choro solitário que cruza a rua em busca de um sinal e, as pessoas, elas se olham quietas e confabulam uma bondade pra ter o dar. A criança, pera, acharam a criança, como assim acharam a criança?, a criança, é ela mesmo? Pera, acharam a criança então? Então que não diz nada, só entra e fecha o resto de porta, já tem comida no fogo e afinal, as coisas são o que elas são, e ele precisa dormir.
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