VERSÃO SOLO >> Clara Braga

"Descanso" era uma palavra solitária e, também por isso, muito admirada e desejada. Então, um belo dia, vieram pessoas que o descanso não conhecia bem e decidiram que ele não andaria mais só, de agora em diante descanso ficaria conhecido como: descanso ativo.

Foi nesse dia que uma parte significativa das pessoas passou a acreditar que o legal é ser produtivo até quando se está descansando. Por exemplo, para que tirar férias para descansar e relaxar se você pode viajar para aquele lugar que nunca foi, conhecer toda a cidade a pé e ainda aproveitar para fazer aquele curso de final de semana que eles oferecem naquela universidade super recomendada? É verdade que você pode acabar voltando mais cansado do que saiu, mas pelo menos vai ter dado um upgrade no currículo!

Foi então que as mesmas pessoas que decidiram que o descanso agora andaria acompanhado, perceberam que uma outra parte significativa das pessoas continuava não sendo extremamente produtiva durante seu descanso, pois se apoiavam em outra palavra qua também era admirada por sua versão solo: ócio.

Pensaram muito e decidiram que o ócio também poderia ganhar uma ótima companhia, e assim ócio passou a ser mais conhecido como: ócio criativo. Não tem problema estar com a cabeça vazia, com tempo livre, quase chegando ao ponto de estar entediado, desde que depois você surja com uma ideia super inovadora que justifique esse seu momento de pausa.

Descanso ativo e ócio criativo foram termos muito importantes para o surgimento e aceitação em massa de um outro termo que virou moda, principalmente em tempos de corona virus: home office. 

Sim, eu reconheço que o home office tem muitos benefícios e muitos estudos mostram que as pessoas são ainda mais produtivas quando trabalham de casa, mas alguém já parou para pensar que o home office também acabou com algo que era extremamente importante: o horário de trabalho? 

Agora temos a sensação de que estamos 24h à disposição, à qualquer momento podemos receber um e-mail ou um whatsapp muito importante e teremos que parar tudo que estamos fazendo para atender quem solicitou nosso trabalho, então acabamos não fazendo nada muito importante ou muito distante de casa, para que possamos parar ou voltar assim que necessário. Mesmo que a gente trabalhe poucas horas no dia, a sensação de estar à disposição nos acompanha o dia todo e, quando o dia termina, estamos exaustos e nem sabemos bem como isso aconteceu.

Eu, na verdade, tenho a sensação de que alguém está querendo nos convencer de que descansar e não fazer nada é algo totalmente desnecessário, mais alguém se sente assim? Depois reclamam que essa geração está muito estressada e deprimida, mas que outro resultado poderíamos esperar? Deixem que o descanso e o ócio andem sozinhos, para que a gente também aprenda a desfrutar da nossa própria companhia sem nos sentirmos culpados por não sermos sempre super produtivos e, claro, milionários, de preferência antes dos 30. 

Comentários

Zoraya Cesar disse…
Clara, me solidarizo TOTAL com esse texto, total mesmo. Muito lúcido. E real.

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