IMPORTE-SE COMIGO >> Carla Dias >>


Sou ninguém, não frequento a sua lista de afetos ou os seus abraços, de quando abraços eram distribuídos ao toque da extravagância do desejo de oferecê-los e recebê-los, e era ridículo pensar em tal insana proibição.

Está proibido abraçar.

Não irei mudar a sua vida, ainda que você possa mudar a minha. Não se preocupe com isso, a escolha é minha. Não irei mudar a sua vida para pior.

Sou o seu ninguém.   

Olhe para mim, pode me observar da fresta das suas convicções e sonhos. Consegue enxergar as minhas tantas imperfeições? Conheço e reconheço cada uma delas. Somos íntimas, não as evito. As ocultas, eu eventualmente as desvendarei. Não as temo, simplesmente porque escolhi defender o outro dos seus rompantes. Elas são minhas, cabem nas minhas escolhas e tudo o mais que a vida me levou a experimentar, durante o meu caminho. Há algumas que são de beleza contundente.

Às vezes, há quem não compreenda que imperfeição é apenas percepção reservada sobre o diferente.

Até aqui, sendo o seu ninguém das janelas do prédio em frente ao seu; das ruas repletas de passantes, quando o vazio é a necessidade que cabe a mim, seu ninguém, e a você, meu alguém. Você é um alguém para mim, porque das minhas escolhas eu cuido bem. Nenhuma delas nasceu para colocar a sua existência em risco.

Importe-se comigo. 

Sou o ninguém de alguém que insiste em não perceber que acontece de o ninguém se tornar alguém importante, mesmo que jamais conheçamos, intensamente, seu olhar, sua casa, seu currículo, sua música preferida, aquele filme que o marcou, sua biografia.

Espero ser o seu ninguém capaz de sempre prezar pela chance de você ser alguém e por muito tempo. E pensando nisso, eu me perco no universo do meu apartamento, e mesmo fazendo de tudo para manter a mente ativa, há dias em que penso ser ontem, mas já se tornou hoje. Há dias em que as horas se arrastam de um jeito, que dá vontade de destrançá-las assim, com as mãos. Há dias em que, veja a incoerência que você não compreenderá, já que sou o seu ninguém, há dias em que nem mesmo café me acalma o espírito.

Abraço não nasceu para ser item de proibição. Por favor, colabore para que o seu ninguém possa recebê-lo de seu alguém. Tenho a impressão de que isso também será bom para você, alguém que pensa que ninguém, além dos seus afetos, depende das suas escolhas.

Louca a vida, não? Às vezes, dá de ela exigir atenção aos detalhes que teimamos em deixar passar, porque não deveriam ser detalhes que o ser humano é capaz de deixar passar.

Então, eu sou o seu ninguém e há problema nenhum nisso. A única coisa que, da condição de seu ninguém, eu gostaria de lhe pedir, é que me permita voltar aos abraços. Tomar café é muito mais prazeroso, quando vem acompanhado de abraços, e de conversas, e de sons de gargalhadas e espantos, de presença. 

Imagem: Embrace of Peace © George Tooker

carladias.com
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Livro impresso: Iluria

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