Razões para não desistir quando a vida parece sem sentido >>> Nádia Coldebella

Você precisa fazer isso. Isso está dando muito trabalho hoje. Você perdeu a conta de quantas vezes iniciou e reiniciou e recomeçou o que havia feito. E iniciou de novo. Nada parece bom.

Você percebeu? Ao seu redor, todo mundo está iniciando, reiniciando, iniciando de novo, o tempo todo, nos últimos tempos. Cada começo não parece muito certo, pois você não sabe onde tudo isso vai dar. Ninguém tem certeza do que o futuro reserva. O que o futuro nos reserva?

Quem sabe, você deva aprender alguma coisa? Uma habilidade, uma língua nova, algo para incrementar seu portfólio pessoal e depois ensinar para os outros... Peraí, não. Na verdade, não! Balela, conversa fiada. Você não quer gastar horas e horas com nada disso. De verdade, você não quer aprender nada novo.

Resista. Fique aí, sentadinho, esperando tudo voltar ao normal. Cuide das notícias das redes sociais. Informe-se a cada cinco minutos. De repente, dê uma saidinha, faço um passeio para ver o movimento. É isso então.

E isso não tem o menor sentido.

Claro que tem! Você tem família, filhos, amigos! Uma vida cheia de sentido. Seu sentido.

Mas, vem cá. A clausura não te fez olhar para dentro? Ela não te alertou para o fato de que nenhum homem é uma ilha? E se for assim, o seu sentido não tem o menor sentido, porque o sentido de uma vida não se encontra na sua própria vida, mas na vida do outro, na pessoa que está a sua frente, ao seu lado, atrás de você. O seu próximo, como Jesus diria.

E quando você pensa nisso, não sente uma tristeza profunda? Já se deu conta que estamos enlouquecidos, tentando fazer pontes entre as nossas ilhas e estas pontes estremecem, desmoronam e parecem nos soterrar?

Então, qual o sentido da vida?
Detalhe da obra Full Fathom Five (1947) de Pollock

Antes de continuar a leitura, pense um pouco sobre isso. Se souber, pare agora e me diga. Se não souber, continue comigo, que sou ignorante demais para ter uma resposta.

Você precisa achar algum sentido nessa maluquice toda. Não dá pra ficar sentado, “com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar” - viva Raul!

Talvez esse seja o problema. Todos os sentidos parecem estar se esvaziando e há gente, em todo lugar, pensando que se resistir, que se negar, o sentido fica.

Esquece. O mundo está mudando. Tudo está mudando.

Existem momentos da vida que sim, é melhor resistir à correnteza e tentar atravessar o rio. Um pescador me disse uma vez que se você nadar na diagonal, sai do outro lado com certa segurança. Mas isso num dia normal, num rio normal, com fluxo de água normal.

Entenda. Agora não foi você que caiu na água, foi a água que subiu e levou você. Agora, é melhor seguir o fluxo do rio, ver onde ele te leva, aceitar que você vai parar num lugar diferente e que se você voltar, nada será como antes.

O normal que você conhece não existe mais.

Talvez agora você não veja, mas é questão de tempo até que a realidade tome forma em seu campo de visão. Enquanto você procura sentido nisso que te digo, lembre-se que qualquer questionamento pode te iluminar, te libertar, não do vírus ou da doença, mas da sua cegueira, de você achar que basta fechar os olhos ou concordar com um fulano ou um ciclano e está tudo certo.

Não adianta.

Não adianta ter medo também. Mudar dá medo porque você não sabe o que vem depois. Morrer dá medo. Viver dá medo. Hoje em dia, ir no supermercado dá medo. Concordar ou discordar de político dá medo. Respirar dá medo.

Então, você pode escolher se prefere curtir o movimento ou ficar paralisado, porque apesar do seu medo, as coisas vão mudar. Você pode resistir, mas quando você perceber, terá mudado também. 

Enquanto escrevo pensando que falo pra você, querido leitor, me dou conta que mergulhei um pouco mais fundo. Ando dando conselhos psicológicos a eu mesma. E termino essa singela crônica com a certeza de que qualquer sentido que eu encontre agora é inútil e que a razão para não desistir é que eu devo continuar procurando.


Publicado anteriormente em https://jornaldecaruaru.com.br/categorias/cronicas/, em 20/04/2020.

Comentários

Albir disse…
Não, Nádia, não sei. Mas continuo com você, procurando.
Zoraya Cesar disse…
" Já se deu conta que estamos enlouquecidos, tentando fazer pontes entre as nossas ilhas e estas pontes estremecem, desmoronam e parecem nos soterrar?"
excelente constatação! texto maravilhoso e final esperançoso. Sim, continuemos a busca. A verdade não está lá fora, mas aqui dentro.
Carla Dias disse…
Nádia, não há questionamento desnecessário no seu texto ou na nossa situação atual, que ele traz à tona. Mas há sim uma agoniazinha em pensar nos que se demoram no questionamento, lutando para não compreender a resposta oferecida, muitas vezes complexa, enevoada, nada parecida com o que se gostaria de receber da vida. Bom, não estamos em momento de receber o que queremos. É o que você apresenta: temos de saber lidar com o que temos.

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