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Quanto do mundo cabe em você?

Das vigorosas verdades às vedetes-mentiras. Do submundo da pele reverberante, arrepiando-se pela sinfonia de entusiasmos atrevidos, apesar da indiferença de quem a açula. Do desânimo inspirado pelas tardes vazias, que, de repente, é preenchido pela ousadia da ansiedade.

Quer algo mais rebelde do que sentimento a contradizer o esperado? 

Quanto de vida há em você?

Ao descartar as camuflagens, despir-se da diplomacia e andar pela rua da amargura, pés nus dispostos a amaciá-la, até que reste nada da desventura que ela fomenta. Até que a maciez da tristeza teimosa se hospede no seu dentro, como se nele ela tivesse sido parida.

Quanto de liberdade você acolhe?

Apesar das correntes que você arrasta - há uma biografia! - e das frágeis esperanças a pajearem insinuantes invencionices criadas para adornar desapontamentos. Dos olhares desviados, que eram esperanças criando espaço para acontecimento, mas você nem se deu conta. Acredita que eles são insultos da realidade a lhe negarem, mais uma vez, o entendimento com o flerte.

Quanto do tempo lhe pertence?

Ainda que dedique horas a sentir caudalosa saudade de quem talvez nunca venha a reconhecê-la em ternura. É tempo esbanjado a assistir ao outro, como se ele fosse filme preferido. No entanto, seus olhos se fecham de cansaço e o que sobrevive é o contentamento escravizador de ter sido privada de si para ser preenchida pela importância do outro. 

Quanto de você cabe em você?

De quando o mundo a surpreende, a vida deixa seu espírito em carne viva e a liberdade roça sua existência, enquanto o tempo, ah, o tempo sussurra em seus ouvidos que ele acabou.

Imagem © Angel Planells

carladias.com
talhe.blogspot.com

Comentários

Kátia Ap.Barbosa Dias Petronieri disse…
Belas palavras.Amei.
Zoraya Cesar disse…
Carla, comecei a ler, e tive de parar, tomar um gole de coragem e voltar. Extremamente incômoda a sua crônica, mas a beleza dela é inescapável. O que é uma sorte, pois, muitas vezes, precisamos nos defrontar com o que vc disse e nem sempre a vida nos dá essa oportunidade. Mais um texto profundo e belo da Princesa do Lirismo.
branco disse…
isto só pode ter sido escrito por quem esteve em outros mundos, outras esferas onde o corpo se abandona e o sentimento é a única presença.
Albir disse…
Ainda que troque suas respostas pelas minhas, o incômodo das perguntas não desaparece.
Carla Dias disse…
Zoraya, eu entendo. Escrever esse texto também foi mergulhar no incômodo. O que me deixa de bem com ele é saber que incômodos promovem reflexões necessárias.

Branco, às vezes, escapamos de nós mesmos e visitamos esses lugares na gente que não fazem parte da nossa rotina. Acho que é meio isso...

Albir, que o incômodo tenha trazido reflexões significativas.

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