A MINHA HISTÓRIA POR DETRÁS DA COLONOSCOPIA >> Sergio Geia
Aprenda uma coisa, se é que você ainda não aprendeu: tudo tem uma história. Se você faz isso ou aquilo, ou deixa de fazer, saiba que faz, ou não faz, porque há uma história que explica ou justifica o fazer ou o não fazer.
A minha começou assim.
Primeiro, tio Ademar, e uma pequena dor nas costas. Certa vez o encontrei no pátio da Prefeitura e ele reclamava de uma dor, agora, no ombro. Perguntei se ele já tinha ido ver o que era, ao que respondeu que sim. E a saga continuou. Muitas dores, desconfortos, médicos e exames. Um dia descobriu um câncer, que nascera no intestino e que andara até os ossos. Dizem que a dor de câncer nos ossos é a pior do mundo. Meu pai, aposentado, foi seu fiel escudeiro, e o acompanhou em médicos, laboratórios, clínicas. Mas a doença, como um ácido agressivo, foi comendo aos poucos o meu tio. No final, nem morfina conseguia dar cabo da dor. Lembro que no Natal de um ano ele disse confiante: “Vou passar o carnaval em Ubatuba”. Essa frase nunca me saiu da cabeça, mesmo porque, neste mesmo carnaval que meu tio planejava estar em Ubatuba, seu corpo estava sendo velado na Dr. Winther.
Dois meses depois da morte de tio Ademar, meu pai começou a se queixar de dor na barriga. No início, não deu muita bola, mas a dor, pegajosa que só ela, não largava de seu pé. Todos, sem exceção, inclusive alguns médicos, diagnosticaram como sendo uma dor de origem psicossomática, principalmente pelo que ele, meu pai, vivenciou ao lado do tio Ademar. Foi a um psiquiatra, tomou remédios, e nada. Lembro de uma vez que o acompanhei a uma sessão de Reiki. Nessas horas, fomos procurar todos e todas as coisas. Centro espírita, benzimentos, aquele médico, aquela terapeuta, comer tutano de boi. Até que meu pai fez um ultrassom do abdome e descobriu um corpo estranho no duodeno. O duodeno é um tubo que faz a ligação entre o estômago e o intestino delgado, responsável pela neutralização dos ácidos gástricos e pela fragmentação dos alimentos, permitindo a absorção pela corrente sanguínea. O tumor estava lá e não era pequeno. Foi parar na mesa de cirurgia, mas o tumor não pôde ser retirado, estava sobre a aorta abdominal, qualquer tentativa seria um risco de morte para ele. O médico fez uma espécie de desvio para possibilitar a passagem do alimento e propiciar maior qualidade de vida. Foram muitas químios, rádios, transfusões, perda de peso, meu pai bebia Buscopan como se fosse água, até que um dia ele entrou no hospital para nunca mais sair, isso, um ano e três meses após a morte do tio Ademar. Para mim foi uma cena destruidora. Por volta das 16:25h eu via meu pai sentado na cama do hospital bebendo uma xícara de chá, conversando comigo, tio Marcos, minha mãe. Mas nesse mesmo dia, meia hora depois, por volta das 16:55h, ele estava morto.
Pois em razão desse histórico familiar, em razão da morte de outra tia também com câncer, aqui estou eu sendo deitado sobre uma maca. A enfermeira sofre para encontrar a minha veia. Sim, meus braços são brancos como leite, eu já aviso. Não adianta. Quando a enfermeira é porreta, resolve de primeira. Mas hoje, sofro. São várias picadas no braço, sobre a mão, picadas doídas, até que ela consegue encontrar a bailarina que dança alheia ao meu suplício. Me colocam algo debaixo do nariz para eu respirar, um oxímetro no dedo para medir os batimentos e a necessidade de oxigênio, medem ELA também. Depois acontece algo que talvez seja a melhor coisa desse exame de preparo chatésimo e desgastante: o teto começa a girar, tudo começa a flutuar, os olhos pesam, e, de repente, dez segundos depois, já me vejo deitado na cama do meu quarto, acordando de um sono bom, pronto pra comer alguma coisa, que a fome é de leão.
Ilustração: www.depositphotos.com
Comentários
Geralmente quando alguém escreve alguma coisa, busca uma manifestação que agrade o escritor.
Desta vez a manifestação é diferente. É de alerta para que todos procurem medicina preventiva.
Quem tem um parente com Câncer de intestino tem que fazer colonoscopia.
A crônica do Feia mostra isto.