AI, MEU CORAÇÃO! - III >> Albir José Inácio da Silva

(Depois de ouvir Bóssi e os vizinhos na cena do crime, o Dr. Mouro retornou à delegacia para abertura do inquérito. Acreditava na história de Bóssi que, além de seu compadre, era um cidadão acima de qualquer suspeita e dedicava sua vida ao bem-estar da família tarietense)

Minutos depois do delegado, Bóssi chegou à Delegacia para depoimento na condição de testemunha, distribuindo sorrisos e cumprimentos. Era amigo da polícia. Contou sua versão sem interrupções. No momento mais dramático da narrativa não pôde evitar as lágrimas. O delegado ouviu compassivo e ditou para o escrivão:

 “Aos vinte e três dias do mês de setembro de 1986, nesta cidade de Tarietá, na Delegacia de Polícia, onde se achava o Dr. Mouro, Delegado, comigo Escrivão, ao final assinado, compareceu o Senhor Antônio Vieira dos Santos, já qualificado,  socialmente conhecido como “Bóssi”, sabendo ler e escrever, aos costumes disse nada, testemunha compromissada na forma da lei, sendo inquirida pelo Dr. Delegado, disse: que às sete horas da manhã de hoje foi até a sede do Grêmio Recreativo Tarietense para se encontrar com o presidente eleito e tratar de assuntos ligados à transmissão do cargo; que estranhou portão e porta abertos, mas tinha entregado as chaves a Arakém logo após a apuração; que encontrou a secretaria revirada e, ao entrar na sala de reuniões, se deparou com Arakém caído sobre o próprio sangue; que, ato contínuo, tocou o alarme e correu para a porta no alto da escada e começou a gritar por socorro; que neste momento ainda pôde ver o ladrão encapuzado, carregando um saco nas mãos, que pulou o muro e fugiu numa motocicleta dirigida por um comparsa também encapuzado; que, depois disso, ligou para a polícia; que vizinhos e transeuntes testemunharam a fuga do meliante; que muitas pessoas se dirigiram ao local até que chegou o ilustre Delegado. Nada mais disse. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado por mim, escrivão, pela testemunha e pelo Dr. Delegado”.

                                                                                BÓSSI

O apelido Bóssi quem deu foi o Neném, depois de umas aulas de inglês, dentre outros cursos que o chefe insistiu em matriculá-lo, a ver se conseguia um ajudante mais apresentável. Não conseguiu ilustrar o ajudante, mas ganhou essa alcunha, que é uma corruptela de “boss” – chefe em inglês. E Bóssi gostava do apelido, mesmo sabendo que era fruto de ignorância bajulatória.

Não havia mais o que dar errado. Todas as etapas transcorriam conforme planejado. Sua maior preocupação era o Neném, um garoto neurastênico, que dava piti quando via sangue, mas era o único em quem confiava. E ele se saíra bem, mesmo com alguns espasmos na hora agá. Neném era uma besta quadrada, costumava dizer, mas era sagaz e de confiança.

Em “off”, ao Dr. Mouro, Bóssi disse que pessoalmente gostava de Arakém, para ele um ingênuo, um sonhador. Desses que acreditam em igualdade, luta de classes, e esquecem que quando o patrão vai bem, o empregado também vai, e quando melhora para o rico, sobra mais para o pobre. Mas essa gente parece não ter jeito, fica sonhando enquanto a vida passa. Um inocente útil, mas um bom homem. Um adversário combativo, nunca um inimigo, embora tenha tentado atrapalhar sua gestão desde que chegou ao Conselho.

Apertou a mão do delegado, que mandou recomendações à família e lhe desejou boa administração à frente do Clube.

Bóssi deixou a delegacia aliviado. Ria-se com a máxima de que não existe crime perfeito. Ora, se um crime não pode ser esclarecido, permanece silencioso nos arquivos da polícia, ele é perfeito.

Enxergava-se longe de um assassino, pelo contrário, era um cidadão de bem. Os fins justificam os meios, e situações extremas exigem soluções extremas. Se tomou providências mais enérgicas, foi em benefício do clube e da cidade. Não foi à toa que ganhou da Câmara Municipal o título de “Cidadão Tarietense”.

Bóssi voltou para o clube, o que não lhe faltava era trabalho até as eleições. E por onde andaria Neném, que não deu notícias até agora? Não estava no clube nem telefonou.


(Continua em 15 dias)

Comentários

Zoraya disse…
aaaaiiii, Albir! Assim vc nos mata de suspense! Tomara que Bóssi se dê mal, muito mal!

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