ELES NÃO MORAM MAIS AQUI | RONALDO CAGIANO >> Carla Dias >>


Há esse livro de Ronaldo Cagiano que, vez ou outra, eu revisito. Canção dentro da noite tem sido um dos meus preferidos de poesia, desde quando eu o conheci, em 2000. Para mim, ali mora uma beleza que não se abstêm de enveredar pela melancolia e isso me agrada.

Ao ler o Eles não moram mais aqui, livro de contos de Cagiano publicado pela Editora Patuá, percebi o olhar poético a se aprofundar em distâncias geográficas, sociais e emocionais, assim como em abandonos.

Cada conto traz um tema que deságua em desespero silente. Desespero pela impotência diante da tragédia, da indiferença ao lidar com o presente e a persistência em se agarrar ao passado. A ausência faz seu papel, mas nem sempre se trata de alguém que não está mais presente. Às vezes, trata-se da ausência de si, o não se reconhecer diante da própria biografia.

Eles não moram mais aqui é um livro intrigante, porque leva o leitor a uma viagem que passa por várias versões da ausência e do abandono. O primeiro conto, que dá título ao livro, mergulha no vazio que fica quando os filhos deixam o lar. A saudade ferina da infância deles que digladia com as histórias sobre as quais os pais saberão somente por relato, não por terem acompanhado, vivido o momento com os filhos.

O luto se mostra de forma contundente em Sombras. “E com constrangimento e dor, os que ficaram não entendiam ainda o sorriso interrompido, a felicidade interditada pela carreta assassina e seu feixe de madeiras destroçando a nuca.”

A prosa de Cagiano se banha em poesia ao destacar as emoções mais rebeldes, mantidas sob o cabresto da condição do personagem.

Há ainda os assuntos que remetem à completa indiferença pelo outro. Como no conto À maneira de João Antônio e Samuel Rawet, quando um funcionário não aparece há dias para trabalhar e a ausência dele se torna mais representativa do que sua presença.

Eles não moram mais aqui é um livro no qual vale a pena mergulhar. Ronaldo Cagiano criou uma coleção de contos da qual o leitor sairá contemplativo a respeito da própria percepção do mundo. Não há como não se envolver com seus personagens e as situações que eles encaram. Não há como não se identificar com seus desafios, mesmo quando eles escolhem se desviar deles. E ainda há esse algo, que não me atrevo a definir – que ele me apraze assim, em suspenso – que conecta os personagens, apesar de suas experiências e cenários distintos.

Eles não moram mais aqui | Ronaldo Cagiano
Contos | Editora Patuá
Para comprar:
http://editorapatua.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=378

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