UMA FESTA DIFERENTE NUM LUGAR NADA QUALQUER
>> Zoraya Cesar
O terreno era grande, gramado e bem cuidado, cercado por uma floresta modesta, mas viva, com seus animais, suas árvores, seu silêncio.
Em uma pequena clareira dentro desse terreno, um grupo de pessoas parecia participar de uma festa. Uma festa estranha com gente que, se não era propriamente esquisita, ao menos era bastante heterogênea. E ruidosa.
Um quarentão, cujo terno estampado de brocados, calças apertadas e enormes óculos coloridos lhe davam um ar extravagante, dançava com o corpo inteiro, expansivo, braços e pernas se espalhando por todos os lados. Cantava alto, desafinado e rouco. Sua histrionice, no entanto, não incomodava seus companheiros, que, imersos em si mesmos, não davam conta de sua presença. Uma mulher, elegantemente trajada de longo preto e saltos altos, dançava funk, dobrando os joelhos e agachando-se até o chão, a boca arreganhada e vermelha contrastando com seu perfil suave. Junto a ela, uma moça de cabelos azuis fazia movimentos circulares, com os braços abertos, rodopiando, de vez em quando, como um dervixe em transe profundo. Um pouco mais adiante, um senhor encurvado dançava o miudinho como um verdadeiro ás do samba, encantando as sombras ao redor. Havia também mais algumas pessoas, que cantavam, pulavam, gritavam, dançavam.
O estranho é que, embora reunidos em um único espaço, não davam mostras de se conhecerem. Não se olhavam, não se encostavam, não conversavam entre si. Em comum, só o fato de parecerem ter saído, sozinhos, de alguma comemoração particular, deixando os outros convidados para trás.
O dia amanhecia e nenhum deles dava sinais de cansaço, nenhum deles parou um só instante de repetir, como em um looping infinito, os movimentos que faziam desde o primeiro instante em que surgiram na clareira. Quem os olhasse talvez não entendesse o que estava acontecendo, mas poderia tender a concluir que aquela gente toda estivera festejando em algum lugar antes de chegar ali e nada os impediria de continuar.
…Que comportamento mais descabido, pensou a raposinha, que observava o esquisito grupo de uma distância segura.
A aragem fria levantou seus pelos dourados e algumas folhas das árvores. Distraiu-se momentaneamente para olhá-las dançando ao vento. Tão bonitas, cobriam o chão como um tapete fofo, pardo e barulhento, crec-crec, quando pisado. Na ausência de humanos, dava para ouvir o som da chuva batendo nas pedras, a conversa secreta dos galhos murmurando entre si, o pio faminto da coruja, o roçar da pá na terra. A raposinha farejou o ar, feliz. Apreciava imensamente aquele cheiro de terra remexida e húmus.
Geralmente, não se incomodava com os humanos que frequentavam seu habitat. Eles ficavam por pouco tempo - sérios, lamurientos ou confusos -, sendo esquecidos tão logo iam embora. Raramente eram agitados e espalhafatosos como os daquele grupo. A raposinha olhava-os com curiosidade, desejando que o dono do lugar viesse pôr ordem na situação. Gostava dele, de suas poucas palavras e gestos contidos. Ele mantinha a floresta segura, o campo bem cuidado e a tranqüilidade de todos, homens, árvores e animais. Percorria todo o espaço, cavando aqui, plantando ali, ajeitando lá. Às vezes conversava com alguns outros humanos, mas a raposinha não entendia o que falavam.
A balbúrdia começou a incomodá-la.
Deu as costas, irritada. Afinal, perguntou-se, impaciente, o que comemora essa gente de jeito tão desrespeitoso num cemitério? Não perceberam ainda que estão todos mortos?
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beijos