FELIX GUISARD E O CELSO >> Sergio Geia
Outro
dia caiu-me às mãos o livro “Felix Guisard – A trajetória de um pioneiro”, de
Claudia Martins, da Cabral Editora e Livraria Universitária, que adquiri em 2009, que já tinha lido, que adormecia na estante, mas que, por uma curiosidade qualquer, voltou-me às
mãos. Na verdade, a história do empresário Felix Guisard, contada por Claudia, se
confunde com a história da Companhia Taubaté Industrial, nossa primeira grande
indústria que empregava cerca de 2000 trabalhadores, e com a própria história
da cidade de Taubaté; Claudia, uma jornalista, resgatou o passado como trabalho
de conclusão de curso.
A
curiosidade era uma foto que muito apreciei: uma multidão de operários em
frente à fábrica por ocasião do cinquentenário da CTI, em 1941. Um magnífico
registro histórico. Pois sempre que passo por lá, e vejo a fachada da fábrica,
me deita na mente aquela multidão de trabalhadores.
Felix
Guisard foi contemporâneo de Monteiro Lobato. No livro, há uma carta muito
interessante escrita por Monteiro Lobato a Felix Guisard Filho, dois dias após
a morte de Felix Guisard, pág. 155: “São Paulo, 31-03-42. Prezado amigo Felix
Guisard: Não me surpreendeu a morte de seu pai. Em Ubatuba ele me contou a
história daquele diabetes, com que entrara em maravilhosa entente cordiale e
nós sabemos o que valem essas ententes quando oitenta e tantos anos se metem de
permeio. Morreu gloriosamente, pois suponho que conservou aquela lucidez e
aquele encanto de espírito que nos surpreendia. Seu pai não soube o que foi
decadência mental — essa suprema tragédia. Naquele inesquecível regresso de
Ubatuba tive ensejo de espantar-me da absoluta perfeição com que aquele cérebro
funcionava — e não me lembro de caso semelhante. Curioso, amigo Felix: seu pai,
que só conheci por algumas horas, foi talvez a criatura que me inspirou mais
respeito pela espécie humana. Luminosas horas foram as em que tive a honra de
tratar com um varão de tantas e tão altas superioridades. E, pois, em vez de
pêsames com cheiro de cravo de defunto, receba meus parabéns por ser filho de
tal Homem. Um grande abraço de Monteiro Lobato.”
Outro
pedaço também precioso é o escrito na
pág.13, do qual peço a permissão para transcrever dois parágrafos:
“Oito
horas da manhã. Para muitos o dia ainda está apenas começando. Na cidade de
Taubaté, interior de São Paulo, uma sirene estridente toca por cerca de dez
segundos. Boa parte da cidade ouve o sinal e percebe que é hora de trabalhar,
mesmo os que já estão trabalhando desde as seis horas ou os que vão pegar no
batente às nove. Alguns até estão chegando em casa nesse horário, depois da
noite cansativa dentro de uma fábrica. Outros tantos saem à procura da
concorrida vaga no mercado.
Mas
o apito, insistente e pontual, avisa que é preciso trabalhar. É o grito do
patrão chamando os operários. A cidade ouve, compreende e prossegue com sua rotina,
calada. O som, já cristalizado no ouvido desses trabalhadores, tornou-se comum
e já faz parte da orquestra do cotidiano.”
Tive
enorme satisfação quando terminei a leitura desse livro, que resgata um pouco
da história de Taubaté, isso lá pelo mês de outubro de 2009, e a tive de novo
agora, ao ler novamente a carta de Lobato e o escrito da página 13.
Por
fim, já no crepúsculo desta crônica, imagino que o honrado leitor, se atento for,
principalmente com o título dela, como acredito que deva ser, possa estar a se
perguntar “mas que diabos de Celso é esse que se impõe diante de figuras tão
ilustres?”. E com razão, estimado amigo, e com razão. Mas não se aborreça, pois
hei de esclarecer.
Não
menos ilustre, meu contemporâneo de ofícios prestados à Municipalidade, Celso
Ribeiro, é o responsável pelo acionamento do apito da Companhia Taubaté
Industrial nos dias de hoje. Vi outro dia numa reportagem que passou na
televisão. A Companhia Taubaté Industrial, há tempos desativada, teve seus
prédios ocupados pelas repartições da Prefeitura e pela Universidade de
Taubaté, e mesmo não funcionando mais, pontualmente às oito da manhã, ao meio-dia,
às quatorze horas e às dezoito, o apito toca.
Uma
alegria, uma grandiosa alegria. Passei minha infância ouvindo o apito, ele faz
parte da história da Companhia Taubaté Industrial, da história de Taubaté, e,
por que não dizer, da minha história. Confesso que hoje, sempre que o escuto,
eu penso: “É o Celso. Grande Celso!”.
Ilustração: Nicole Doná (2008)
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