O TAL DO KARAOKÊ >> Carla Dias >>


Até há pouco tempo, eu nunca tinha entrado em um lugar com karaokê como item principal do menu. Na verdade, soltar a voz não é com a minha pessoa, portanto me contento em apreciar as lindezas que cantam por aí. Mas fato é que, há algum tempo, não muito, eu fui a um karaokê. Fui porque uma amiga querida, que vive entrando em roubadas de shows, passeios e decisões complicadas comigo, bom, ela insistiu. Até que...

Karaokê me lembra um tio por quem tenho profunda admiração e imenso afeto. Ele gosta de alugar o equipamento e soltar a voz nas festas de fim de ano. Presenciei o momento somente uma vez. Sempre tão reservado, figura de sorriso bonito, que não deveria economizar tanto nas gargalhadas. Quando presenciei ele soltar a voz, naquela felicidade toda, acabei ficando feliz por ele. Então, depois daquele dia, sempre que karaokê pipoca na conversa, lembro-me daquela cena, uma daquelas coisas boas que a vida registra na memória da gente.

Minha primeira passagem pelo karaokê foi bacana. Minha amiga escolheu o dia menos concorrido, porque o lugar tem fila de espera de horas para cantar. E aquele pequeno grupo de pessoas ADORAVA cantar. A comida era boa, a bebida, as conversas meio berradas, durante a performance de desconhecidos, e eu fiquei confortável na minha posição de espectadora.

Obviamente, o sofrimento faz parte. O dia tem de ser terça, ou seja, para quem não sai por aí na balada, é um sofrimento pensar no dia seguinte. Tem de ser terça porque o tal lugar, badaladíssimo, fica mais tranquilo nesse dia, e meus amigos podem soltar a voz várias vezes... Vezes que, somadas, dariam um pocket show de cada um.

Vejam só, aqui estou, em um dia seguinte, escrevendo crônica sobre a noite passada e bocejando, claro. As terças de karaokê não são para os fracos ou para pessoa destreinada em sair de casa para voltar mais tarde, bem mais tarde do que de costume.

A primeira vez de karaokê foi bacana, mas a segunda me permitiu observar com mais dedicação as pessoas que estavam lá, entre um hit dos anos oitenta e uma daquelas músicas que eu preferia nunca ter escutado na vida. Aquela que não falta na playlist de vários crooners de karaokê em uma mesma noite. E a outra, a que eu não imaginava que escutaria em tal circunstância, porque achava que ela era tão peculiar, que só eu a escutava.

Sim, nós gostamos de nos enganar.

Porém, antes me debandar para desfiar algumas palavras sobre estranhos em palcos de karaokê, devo esclarecer que a experiência foi agradável, em grande parte, por eu estar na companhia de pessoas muito bacanas.

Um dos pensamentos que permaneceram, depois dezenas e dezenas de músicas em português, inglês e espanhol; de pizza e queijo coalho deliciosos, drinques, uma garrafa de água e a ausência espetaculosa de café – como assim não tem café?! -, ah, e de um bem-casado que eu andava com vontade de saborear, mas que não estava tão gostoso quanto o da padaria perto de casa, ou seja, vou ter de passar na padaria... Mas enfim, depois disso tudo me restou esse tal pensamento.

O que presenciei, foi um grupo de pessoas se divertindo ao cantar suas músicas preferidas. Músicas, como todos sabemos, remetem à memória emocional, por isso temos música para isso, para aquilo, trilha sonora para alegria, para tristeza, para passar cantada, para passar vergonha e provocar vergonha alheia e por aí vai. E quando um estranho subia ao palco, no final da apresentação dele, todos aplaudiam fervorosamente.

Para você, que frequenta bares de karaokê, isso pode ser comum. Mas para mim, espectadora, que não saiu do lugar e não cantou, que tem uma vida social que não coloca terças na roda da balada, assim, fácil, o que vi  acabei por traduzir como rara gentileza.

Talvez seja uma questão pessoal, uma necessidade de ver algo melhor em um cenário que eu frequente, vez ou outra, como convidada. Algo que um bom analista possa dar jeito. Mas acho que andamos craques em criticar, em escancarar o que temos contra o outro, o que repelimos nele, que perdemos a grande oportunidade de sermos gentis, cultivarmos empatia e celebrarmos a alegria dele, de permitirmos que nossas alegrias se misturem, ainda que assim, de forma singela: batendo palmas no final da música.

Então, que a noite passada me deixou com esse pensamento que não me sai da cabeça: as pessoas deveriam se comportar, em muitos momentos da vida, como se estivessem em um karaokê.

Palmas!



carladias.com

Comentários

cesar fleming disse…
Ao ler a sua crônica voltei no tempo.
Albir disse…
Tenho boas recordações de karaokê. O ambiente costuma ser ótimo. As pessoas cantam com emoção.
Carla Dias disse…
Cesar, adoro voltar no tempo. :) E fazer voltar no tempo.

É sim, Albir. Um lugar bem interessante, com pessoas tão interessantes quanto.

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