REPOUSO ETERNO PARA UM SONHO?
Eduardo Loureiro Jr.

Houve um tempo em que era muito fácil escrever. Em trinta minutos, eu conseguia escrever uma pequena crônica ou um pequeno livro infantil. Textos maiores levavam mais tempo, mas eram escritos também sem esforço. Não existia falta de assunto, eu poderia escrever sobre qualquer coisa, até sobre um provérbio sorteado ao acaso. Nem tudo era bom, mas era fácil, e o que era realmente bom dava aquela sensação de fluidez e alegria.

Aqueles dias acabaram.

Não tenho tido vontade de escrever. Mesmo quando me vem alguma ideia e penso, como antigamente, que aquilo daria um bom texto, não consigo me motivar para sentar e escrevê-lo. Sinto que não tenho mais o que dizer. Tento justificar, dizendo que tudo já foi dito, que nada mais há por dizer, mas sei que isso não é verdade: é sempre possível encontrar uma forma nova de dizer algo que já foi dito. Outra justificativa é dizer que não há quem queira ler o que escrevo, o que também não é verdade porque, de vez em quando, alguém comenta que gostou de algo que escrevi e manifesta o desejo de ler algo novo.

A falta de vontade de escrever, de fazer algo que para mim um dia foi tão prazeroso, é um mistério que tenho dificuldade de desvendar. Talvez esteja relacionado à leitura. Já faz alguns anos que leio cada vez mais não-ficção. Será que esse tipo de leitura tem desestimulado minha escrita? Mas eu não gostava de escrever também sobre assuntos do momento, de forma argumentativa? Talvez seja por causa da frustração de não ter me tornado um escritor profissional, que vive apenas daquilo que escreve. Os anos foram passando, as realizações foram poucas, a pressão para conseguir dinheiro para se manter foi aumentando, outros trabalhos foram tomando um tempo que seria dedicado à escrita. Mas há tantos escritores que têm empregos fixos, de oito horas, e conseguem escrever satisfatoriamente nas noites e até nas madrugadas. O mistério para mim permanece.

Eu, que escrevia no Crônica do Dia não apenas quinzenalmente, mas pelo menos uma vez por semana, e também quando o escritor do dia deixava de publicar sua crônica, hoje mal consigo escrever dois textos por mês. Quinzena passada não escrevi, e hoje estou recorrendo ao clássico assunto da falta de assunto, e não uma falta de assunto eventual, mas uma falta de assunto crônica e progressiva.

Será que um dia voltarei a ter letras fluindo do pensamento aos dedos, passando pelo coração, à velocidade da luz? Ou será que, qualquer dia desses, simplesmente desistirei de insistir e me conformarei com a realidade de que, além de não ser um escritor profissional, não sou sequer um escritor amador, pois não há mais amor à escrita.

Talvez tenha chegado o ponto em que já começo a aborrecer o leitor. Talvez eu seja, neste texto, como o sem-teto que perambula pelas ruas: desperto a piedade do leitor, que fica constrangido e tenta sorrateiramente se afastar da cena...

Comentários

Lilu disse…
Mistérios costumam atiçar escorpianos.
Que você desvende o seu e persevere na oferta de si aos que desfrutamos e acolhemos, sem constrangimento, suas f(r)ases.
Albir disse…
Edu,
Só posso dizer que gosto muito do que você escreve e espero que você se reconheça como escritor, lembrando o conselho dos mestres: escreva, insista, persista.
Grato pela leitura carinhosa, Lilu e Albir. :)
Analu Faria disse…
Adorei sua crônica. Corajosa.
Eu me pego em culpa por não poder ter a escrita como meio de sustento, por precisar de um "trabalho de oito horas", por ter deixado para escrever (com regularidade) tarde demais e por não ter a disciplina de Haruki Murakami, que escrevia todo dia, à noite, quando chegava do trabalho.
Ainda assim, penso que o prazer de escrever continua sendo o principal motor de todos nós, escritores amadores e desconfio - desconfio, apenas -, pela leitura de sua crônica, que esse prazer ainda fará parte de sua vida por um longo, longo tempo.
Analu, grato pela carinhosa acolhida e pela esperançosa desconfiança. :)

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