INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
E INTOLERÂNCIA À RELIGIÃO
Eduardo Loureiro Jr.

Começo dizendo que não tenho religião. De criação católica, tive um período religioso bem ativo entre os dezesseis e os dezoito anos — até pensei em ser padre, mas parei por ali. Dos trinta e cinco aos quarenta e três anos, fui sócio da União do Vegetal. Dois períodos muito bons em minha vida, cheios de descobertas interiores e exteriores, além de terem me dado amigos para todo o sempre. Desde 2013, estou sem religião, mas mantenho uma prática espiritual constante, devido a uma abordagem não religiosa chamada Pathwork. Feito esses esclarecimentos, vamos ao que interessa...

O clima de intolerância está no ar. A intolerância mais fácil de ser identificada é aquela de algumas pessoas religiosas em relação a outras religiões ou a certos grupos sociais (homossexuais e afins, principalmente). Essa é uma intolerância longuíssima, de milênios, afinal há muito existem guerras "santas" e "apedrejamentos" de pessoas desviantes da norma. É a tal da intolerância religiosa.

Uma intolerância mais sutil e mais recente, coisa de alguns séculos, é a intolerância de pessoas não religiosas, muitas das quais ateias, em relação às religiões de maneira geral. Pessoas que não toleram qualquer religião porque acreditam que religião é a droga do povo, ou coisa parecida.

Podem parecer coisas muito diferentes, principalmente se o observador for um intolerante de qualquer um dos lados, mas, para um observador neutro, a diferença é pequena: o intolerante religioso não suporta nenhuma religião à exceção da sua e o intolerante à religião não suporta nenhuma religião. Ou seja, o intolerante à religião é, pelo menos quantitativamente falando, ainda mais intolerante que o intolerante religioso. Mas, por outro lado, o intolerante à religião não costuma ser intolerante a certos grupos sociais (embora eu conheça muitos que o são).

A intolerância costuma gerar reação em cadeia: um religioso não tolera outro religioso que não tolera um ateu que não tolera outro religioso que não tolera um transsexual que não tolera outro religioso e por aí vão... se intolerando. Até eu, que não tenho nada com isso, sou tentado à intolerância em relação aos intolerantes, tanto os intolerantes religiosos quanto os intolerantes à religião. Ultimamente, tenho feito um esforço para tolerá-los todos.

A intolerância, até onde consigo perceber, vem do desconhecimento. O desconhecimento proporciona muitas coisas, pode proporcionar curiosidade, mistério, encantamento, mas também é a origem da intolerância. Desconhecimento de si, desconhecimento do outro, desconhecimento da história, desconhecimento de Deus...

Certa vez, numa tentativa de me conhecer em relação a esse assunto,  perguntei:

— O que me irrita nos intolerantes?

A resposta não tardou a chegar...

O que me irritava nos intolerantes era sua certeza, sua força, sua disposição combativa. Claro que eu, um sujeito cheio de dúvidas, fraco de vontade e covarde em relação a qualquer tipo de briga, haveria de me incomodar com essas pessoas que escrevem e falam com veemência, aumentam o tom da voz e desqualificam os adversários.

Então me aquietei. Porque essa é uma briga de cachorro grande — Intolerantes Religiosos X Intolerantes à Religião — e eu ainda sou um filhotinho de vira-lata. Melhor eu ficar na minha, roendo meu ossinho já roído por dobermans, pit bulls e pastores alemães. Meu ossinho de não saber, de não ter forças, de não ser bom de briga. Meu ossinho que, de tanto eu roer, talvez me ofereça sua essência, seu recheio, seu tutano.

Comentários

Lilu disse…
Linda, Lindo!
will disse…
Achei muito interessante sua exposição de ideias e consigo compartilhar do seu raciocínio.
Albir disse…
Umas das grandes conquistas da modernidade foi o estado laico. A tendência dos humanos é serem donos da verdade, o que leva à intolerância. As pessoas têm entendido o estado laico como contrário à religião. Mas ele é justamente a proteção dela. Não pode perseguir nem privilegiar, resultando em tratamento igualitário a todos os credos ou à falta deles. Resta-nos fortalecer o estado laico e, no campo pessoal, respeitar o próximo com suas crenças e idiossincrasias, lembrando que temos as nossas. E lembrando que serão crenças ou idiossincrasias conforme sejam nossas ou dos outros. Você, Edu, sempre trazendo temas que obrigam a pensar.
Grato por esse complemento luxuoso, Albir. :)

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