DE FADAS, FEITICEIRAS E ASSASSINATOS (Última parte) >> Zoraya Cesar
Vestida de branco, Maybelline tirou da mala um tambor ritual; um embrulho frouxamente amarrado por uma corda com sete nós; e uma vela. Acendeu-a, ajoelhou-se e rezou. Pediu para não esmorecer, apesar do medo; para não falhar, apesar dos erros; para cumprir a Missão, mesmo à custa de seu sacrifício, se preciso fosse. Agradeceu a honra de participar daquela Batalha e se levantou.
Algumas Tradições Antigas dizem que, na noite de 31 de outubro, mortos e vivos podem mais facilmente passar de um mundo para outro. Aproveitando a intensa egrégora desse dia, Magos Negros experientes — e, também, amadores ignorantes, influenciados por filmes e leituras de baixa qualidade —, conjuram energias extremamente nefastas, povoando a Terra de seres que jamais deveriam ser lembrados, quiçá invocados. Para combater os efeitos deletérios dessas exortações, a cada Guardião do Bem era designada uma Missão específica, de maior ou menor periculosidade. Por isso Maybelline estava ali, sozinha. A cada um, a sua parte, filosofou.
Colocou a violeta, o misterioso embrulho, o tambor e o galho de carvalho no chão. Ao redor, formou um largo círculo com as 12 lanternas, acesas, viradas pra cima — ela preferia não usar velas para esse fim quando em apartamentos, por medo de incêndios.
Cristais, água fluidificada, incensos, símbolos místicos, arrumou todos com o cuidado de quem tem a vida dependendo daquilo. Deu início aos trabalhos, proferindo o encantamento que chamaria a essência de Eoland para a violeta. A Fada estaria mais protegida ali que em qualquer outro lugar, mas sua segurança não estava garantida, e ambas sabiam disso.
Um forte cheiro de húmus invadiu o ar. Eoland chegara.
O coração da Feiticeira descompassou violentamente, fazendo latejar suas jugulares. Recuperou a respiração com alguns pranayamas — impossível travar uma batalha estando descontrolada. Já não bastava o medo. Se falhasse, Eoland morreria, e ela, Maybelline, talvez perdesse a sanidade.
Quase meia-noite. Começou a bater no tambor, que ela mesma fizera e usava há tantos anos. A vibração do lugar elevou-se; a respiração e as batidas de seu coração ritmaram-se com a música; os encantamentos e orações entoados acalmaram-na.
O ataque começou suave e melífluo, bem ao contrário do que esperava Maybelline. Vozes em sua mente, tão altas que pareciam estar ao seu lado, diziam-lhe para entregar Eoland, pois seria grandemente recompensada com riquezas e poder; recebida com loas e honras pelos antigos colegas. Por que não lucrar, em vez de sacrificar-se por uma Fada que seria morta mais dia menos dia? Com eles, Maybelline estaria protegida, jamais abandonada em um país estranho, enfrentando forças maiores que as dela. Seu corpo amoleceu e sua mente nublou, mas ela resistiu à tentação; conhecia a verdade por trás daquelas propostas. Bateu com o galho de carvalho no chão e mandou as vozes sussurrantes de volta ao baixo mundo de onde vieram.
A ofensiva tornou-se, subitamente, violenta. Maybelline ouvia gemidos, risadas demoníacas, choros, ranger de dentes. Sentia como se agulhas incandescentes estivessem perfurando seu corpo. Imagens pavorosas formavam-se em sua mente. Um cheiro pútrido e nauseabundo entranhou pelas suas narinas, provocando-lhe engulhos quase irreprimíveis. A dor era excruciante; o enjoo, verdadeiro; e as imagens, sons e odores, tão reais, que ela perdeu o controle.
Interrompeu o ritual e se largou no chão, gritando, contorcendo-se, encolhida de medo e dor. Percebia que o Mago Negro contra o qual lutava estava tentando tirar seu coração pela boca; se demorasse um pouco mais para recuperar o comando, tudo estaria perdido. De seu nariz, o sangue escorria, profusamente. A violeta começou a murchar.
Todas as forças do Mago Negro estavam concentradas e amarradas à Feiticeira. Chegara o momento azado. Tremendo a ponto de bater os dentes, Maybelline desatou os nós que amarravam o misterioso pacote que trouxera para o círculo, clamando pelos sete maiores Santos exorcistas. Dentro, havia um manto azul de puro algodão — representando a proteção da Virgem Maria, a Grande Mãe. Um vidro de água benta, que ela aspergiu sobre si e sobre a violeta. Uma espada, encarnando a arma usada por São Miguel Arcanjo para derrotar o Demônio. E um Rosário.
Ela começou a desfiar as contas, lenta e concentradamente, apesar das dores e do sangue que inundava sua roupa de vermelho. O ataque aumentou em ferocidade, mas a Feiticeira persistiu, firme na Fé, entregando-se nas mãos da Vontade Divina. Estava ali para trabalhar em nome de Maria Santíssima, e não arredaria de sua Missão.
The dance of Good and Evil - Curtis Verdun |
Nada pode subsistir contra um Rosário rezado com Fé e a ajuda de São Miguel Arcanjo. O Mago Negro fora derrotado e destruído, sendo menos um a perturbar o mundo.
Mais tarde entregaria a violeta a Sleigh Beggey, para que Eoland continuasse sua tarefa de proteger a Terra, os pequenos agricultores, os campos. Mais tarde. Agora ela precisava dormir.
O Bem venceu. Dessa vez. Até a próxima batalha.
Comentários
Salve, Miguelito! Sob o Manto de Maria, mal nenhum tem vez!
Zô, sua bruxinha, seu feitiço é que é um perigo, suas palavras são puro encantamento... Deus conserve e aumente a cada dia o seu dom entreter e engrandecer as nossas viagens fantásticas a mundos desconhecidos!
O Bem é silencioso e se espalha no ar feito perfume!
beijos.