E VOCÊ, VOLTARIA? >> Clara Braga

Ele entrou no ônibus para ir trabalhar. Logo depois, ela entrou no mesmo ônibus, também ia trabalhar. Se fosse um livro do John Green eles iriam se apaixonar e viver um lindo romance até algum deles descobrir que está com leucemia, mas estamos falando desse nosso Brasil que está ficando "muito doido"!

Ele entrou no ônibus armado, é da polícia. Ela, médica! Os dois acreditavam que seria apenas mais um dia comum, mal sabia ele que pela primeira vez se sentiria na responsabilidade de atirar contra pessoas, correndo o risco de tirar uma vida para, talvez, salvar a vida de outras tantas.

O caso virou manchete em todos os jornais, foi reportagem destaque no Fantástico! Mas o caso chama atenção não por ser assalto a um ônibus, mas sim porque o policial teve que atirar nos bandidos para salvar as vidas que estavam no ônibus. Quando o tiroteio acaba, um dos assaltantes fica ferido, e quando a médica percebe que ele ainda está com vida, volta para o ônibus e socorre o bandido até a chegada de uma ambulância.

Você socorreria uma pessoa que minutos antes estava apontando uma arma na direção da sua cabeça?

Eu não sei se eu teria estabilidade emocional suficiente para sequer pensar em ter uma atitude dessas! Da mesma forma, não teria condições de rir e fazer pouco caso da situação, como fez um outro policial que chegou mais tarde na "cena do crime", mas voltar e ajudar realmente foi uma atitude louvável.

Mas o que mais me chamou a atenção foi a forma como a reportagem abordou o caso. Foi uma das poucas vezes que vi o foco na pessoa que fez o bem, nada daquelas cenas apelativas que fazem a gente ficar chocado na frente da televisão. Finalmente deram a oportunidade do bem se manifestar, mostrar que ele está em falta, mas não em extinção.

Normalmente não damos importância, nem sequer refletimos sobre a maneira como as notícias são abordadas, mas tal elemento é de extrema importância. A reportagem poderia ter sido apelativa, poderia ter deixado todos os telespectadores morrendo de raiva do policial que desejou que o homem ferido fosse encontrar o diabo, poderia ter nos deixado com vontade de uma vingança irracional de olho por olho, dente por dente. Mas não, a reportagem acabou dando uma lição, mostrando uma mulher que, mesmo tendo sido assaltada mais de dez vezes, enxergou o assaltante como, antes de tudo, um ser humano que estava entre a vida e a morte e que ela poderia mudar o resultado dessa história positivamente.

Em vez de ter raiva, assisti à reportagem e fiquei refletindo: quantas vezes nós temos a oportunidade de voltar e ajudar alguém que esteve com “a arma na nossa cabeça”? Claro, leve em consideração as proporções das situações, mas acho que se não conseguimos passar por cima de situações pequenas, podemos até nos chocar com atitudes como a do policial, mas também não teríamos a racionalidade e a leveza de ajudar alguém que já teve sua vida em nossas mãos.

Comentários

Kanokosou disse…
Situação Deveras Conflitante! É difícil escolher entre essas duas opções, ajudar a quem a pouco tempo atrás almejou o seu fim, mas mesmo assim a médica assimilou as circunstâncias e o mensurou como Ser humano, acima de suas ações. De fato a atitude dela foi positiva. Que este relato seja um paradigma para aumentarmos nossas faculdades sentimentais!
Eu não voltaria a assistir reportagens sobre assaltos e assassinatos, apesar da sua bonita crônica, Clara. :)
Analu Faria disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Analu Faria disse…
Essa crônica não me vai sair da cabeça...

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