CÉU, EU TE AMO! >> Sergio Geia
Tenho mania de
ficar escutando música ativamente em busca de preciosidades poéticas. Quando eu
falo escutar, eu falo escutar mesmo, me jogar de corpo e alma na canção e me
deixar emocionar. Ponho o CD no aparelho, encho o copo de uísque e viajo.
Achei muita coisa
boa no último CD do Chico. Na música Sem você 2, por exemplo: “Pois sem você o tempo é todo meu / Posso
até ver o futebol / Ir ao museu, ou não / Passo o domingo olhando o mar / Ondas
que vêm / Ondas que vão”. É melancólico, tá, eu sei, mas acho bacana. Acho
que ele consegue captar um instante mágico – o cara se separou, tem o tempo
todo pra ele (era o que queria), mas parece não estar feliz. Em Nina: “Nina diz que fez meu mapa / E no céu o meu
destino rapta / O seu”. Acho isso maravilhoso: no céu o meu destino rapta o
seu. Em Sinhá, Chico dá um show. Ele conta a história da sinhá que se envolve
com um escravo. Será que se envolve mesmo ou é cisma do senhor de engenho? O
escravo se defende: “Se a dona se banhou
/ Eu não estava lá / Por Deus Nosso Senhor / Eu não olhei Sinhá / Estava lá na
roça / Sou de olhar ninguém / Não tenho mais cobiça / Nem enxergo bem / Para
que me pôr no tronco / Para que me aleijar / Eu juro a vosmecê / Que nunca vi
Sinhá”. No final, Chico desvenda o mistério: “E assim vai se encerrar / O conto de um cantor / Com voz de pelourinho
/ E ares de senhor / Cantor atormentado / Herdeiro sarará / Do nome e do renome
/ De um feroz senhor de engenho / E das mandigas de um escravo / Que no engenho
enfeitiçou Sinhá”. Sacou? Simplesmente maravilhoso.
“Eu vim, vim parar na beira do cais / Onde a
estrada chegou ao fim / Onde o fim da tarde é lilás / Onde o mar arrebenta em
mim / O lamento de tantos ‘ais’”. Essa é de João Donato, letra do Gil. Lindo. “Quatro da manhã / Dor no apogeu / A lua já
se escondeu / Vestindo o céu de puro breu / E eu mal vejo a minha mão / A
rabiscar, esboço de canção”. Teresa Cristina e Pedro Amorim, canção
interpretada por Roberta Sá, em Braseiro, na companhia pra lá de especial de
Ney Matogrosso.
Amigo, preste
atenção. O cancioneiro popular tem cada preciosidade. “Subo nesse palco / Minha alma cheira a talco / Como bumbum de bebê”.
Como bumbum de bebê é ótimo. “Sou eu que
vou seguir você / Do primeiro rabisco /Até o beabá / Em todos os desenhos /
Coloridos vou estar / A casa, a montanha / Duas nuvens no céu / E um sol a
sorrir no papel...”. Do Toquinho, essa pra mim é simplesmente mágica, dar
voz a um caderno é um barato louco, e com uma poesia refinada dessas. Pra mim,
um instante singular, superior, divino. “Nhonhô
bebeu um gole de cada poro meu. E feito vinho de caju, amarrei-lhe a boca. E
nosso amor foi todo a prova de Ebó. Não teve um só que separou eu de Nhonhô”.
Céus, isso é Céu! É Muito bom! Olha a estética, amigo! Quando ela fala que o
Nhonhô bebeu um gole de cada poro seu feito vinho de caju, eu piro. Quem afinal
é esse Nhonhô?
Pois descobri que sou apaixonado pela
Céu. Eu sei que é facinho, facinho de se apaixonar, afinal, ela é musa, mas não
é disso que estou falando. É algo superior, meu jovem. Muito superior. É coisa
visceral, de outras vidas, entende? De som, poesia, misturas. Não é um simples
estado momentâneo de excitação, passageiro como o trem da estação. É algo maior,
muito maior. É infinito. Eu ponho o Caravana, fecho os olhos, bebo algum uísque
e vou. Ah, isso é Chico.
Ilustração: Céu – Revista Afro
P.S.: Sou fã de carteirinha da
Cristiana Moura e de suas crônicas maravilhosas. No próximo sábado ela volta,
para a nossa alegria.
Comentários
As mús(ic)as brasileiras são mesmo muito amáveis. :)
Um brinde a essa maravilhosa crônica que desperta desde o início até seu fim todos nossos sentidos. Pena que acabou, ficou assim, um gostinho de quero mais.
Lu Ribeiro