TRAZ A PESSOA AMADA >> Cristiana Moura




Depois de alguns minutos quebrei o silêncio.

— Vou trocar você pela Sarah. Instantes de mais silêncio. — Já viu os cartazes pelos postes?

— Traz a pessoa amada!

— Isso!

E do lado de trás do divã, onde não o vejo, ele riu. Venho deixando no divã linhas e entrelinhas da vida. E as desventuras do amor. Talvez por permitir que a ilusão se faça em véus sobre a minha face. Talvez por amar secretamente, sem confessar ao outro meus sentimentos. Ou por tantas outras nuances que nem sei.

Mas neste dia, levantei-me do divã pensando na Sarah, na Estrela Guia, mãe Jurema, pai Arnaldo. Pensando em buscar algo, fora de mim mesma, capaz de trazer a tal pessoa amada. Não contei isto para o Walmy, psicanalistas não costumam ser afeitos `as buscas místicas.

Saí da terapia disposta a marcar uma consulta no primeiro sinal fechado onde eu encontrasse um desses cartazes. Só então, dei-me conta que tenho medo da Sarah e de seus colegas de profissão. E se me mandar fazer algum ritual macabro? A pessoa amada que não chega, possivelmente já tem uma outra pessoa amada. E se fizer mal a alguém? Faria um vodu da tal mulher? Ai, ai, ai, isso não. Lembro que quando eu era adolescente conheci uma senhora espírita que falava muito da inveja e de como deveríamos resguardar nossas fotografias. Falava do quanto era perigoso alguém mal intencionado ter posse das nossas imagens. Menos de trinta anos depois temos fotos de todas as pessoas disponíveis nas redes sociais. A tecnologia facilitando as maldades oriundas da inveja.

Achei por bem pedir a opinião de uma amiga.

— Ela deve mandar você coar café numa calcinha e servir para ele.

— Como?

— É, diz que amarra o homem.

— Se ele estivesse vindo tomar café na minha casa, eu já teria trazido, sozinha, a pessoa amada.

Instantaneamente imaginei-me repetindo esta última fala para Sarah. Junto veio a minha fantasia de sua resposta:

— Fia, se num tá nem conseguindo levar o homem pra tomar um café é porque tá ruim mesmo. Vai sair mais caro.

Bem, a conversa com esta amiga em nada encorajou-me. Falei com uma outra que me indicou uma cartomante e, por uma hora e meia, contou-me sobre tudo  o que ela havia lhe dito e como havia sido bom. Marquei.

Lúcia não cumpria os estereótipos da profissão. Tinha uma fala simples e ausente de clima de suspense ou adivinhação. Lia as cartas como quem lê um livro ainda a ser escrito. Falou-me de sucesso profissional, de muitos estudos, de cirurgias bem sucedidas que farei. Lúcia não trazia a pessoa amada e, pelo contrário, disse-me que se trata de um amor alheio, que eu o deixasse para trás, ficasse só de verdade para assim poder chegar o “homem do cavalo branco”, um homem para compromisso. – Vai viajar sozinha! – disse Lúcia.

Saí aliviada da consulta. Enfim, eu tinha muitos conselhos e nenhum ritual esquisito a realizar. Mas a cada sinal fechado eu via mais um cartaz. Decidi que, para ser honesta com o título da crônica, deveria, ao menos, ligar para me informar. Apenas para me informar.

O coração palpitou. Até a mais cética das mulheres que, como eu, amasse secretamente um homem que a chama de amiga, ficaria tentada a contratar os tais serviços afetivo-espirituais. Liguei.

— A Tim informa, o número chamado não existe.

Liguei mais duas vezes para ter certeza que não havia digitado o número errado. A mesma gravação.  Mais um sinal fechado. Outro poste, outro cartaz, uma nova tentativa.

— Alô.

— Boa noite, eu gostaria de falar com Pai Arnaldo.

— Moça, pai Arnaldo não mora mais aqui não, voltou pro interior.

— Hum...

— As coisas por aqui andavam difíceis. Só tá atendendo lá. Voltou a morar com a mãe em Quixeré.

Sou uma mulher insistente. Tentei outro cartaz.

— Este número está programado, temporariamente, para não receber chamadas.

Ê, ê... Não é só para mim que esse negócio de amor anda mal.

Comentários

Se o amor ainda não chegou, pelo menos o bom humor está lhe fazendo excelente companhia. :) Muito divertida a crônica!
Cris Rocha disse…
Você é incrível!
Zoraya disse…
olha, se encontrar uma cartomante que peça rituais macabros pra segurar homem, sai correndo. E eu sei q parece sadismo, mas sua crônica desventurada está engraçadissima!
Cristiana Moura disse…
Correríamos. Mas o bom humor - sempre.
albir disse…
Cristiana, conheço uma moça com resultado de consulta pior que o seu: http://www.cronicadodia.com.br/2011/01/o-verbo-albir-jose-inacio-da-silva.html
Muito divertida a sua crônica.
Cristiana Moura disse…
Pois é Albir, as coisas sempre podem ser piores.
ADOREI!

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