VOU DE TÁXI >> Zoraya Cesar

Ser passageiro de táxi às vezes pode ser a solução; ser motorista, nem sempre. 

TÁXI UM – El Bigodon 

Há fases na vida de uma mulher em que ela se descuida da aparência. Maria Tereza estava deprimida por conta da associação maligna entre uma hérnia de disco extremamente dolorosa (que a obrigava a usar um colar cervical deveras desconfortável), um término de namoro e a conta bancária no vermelho. A última de suas prioridades, no momento, era a vaidade. As olheiras, provocadas pelas noites insones, estavam tão azuis quanto seus olhos; e seus cabelos louros, mechados de impertinentes fios brancos, que, aproveitando-se do estado mental da cabeça que habitavam, nasciam aos magotes.

Dizem que nada está tão ruim que não possa piorar, e que, quanto mais você reza, mais assombração aparece...

Dizem muita coisa por aí, nem todas devem ser levadas a sério.

Pois o fato é que Maria Tereza, impossibilitada de pegar transporte público, só andava de táxi. E eis que, num dia em que estava especialmente mal ajambrada e baixo astral, ela pega um motorista gentil. Conversa vai, conversa vem, o trajeto era longo o suficiente para estabelecer aquela intimidade que só existe entre taxistas e cariocas. E quando ela revela que passaria o Ano Novo sozinha, ele se revolta:

- Por isso não! A senhora, se me permite a audácia, é muito bonita pra ficar sozinha.

Maria Tereza demora alguns segundos para voltar à realidade. Bonita, eu? Com essa aparência lastimável?

Ele continua:

- Olhe, tome meu cartão. Sou  homem direito, não tô na vida de brincadeira não. Eu te pego, levo pra casa dos meus parentes e te trago de volta, no maior respeito. Me dá uma chance.

Maria Tereza saltou do carro felicíssima. Mesmo mal cuidada daquele jeito, havia chamado a atenção de um homem, e que homem! Másculo, decidido, gentil...

Maria Tereza ligou? Não. Porque ele tinha bigodes que lembravam os do Mario Bros, e era policial de profissão, o táxi era complemento de renda. Tem amiga que até hoje não fala com Maria Tereza, de raiva por ela não ter dado uma chance a El Bigodon.

TÁXI DOIS – Terra de homem bom

Agora, vejam como são as coisas. Dizem que homem é artigo em falta no mercado. Mas, repito, nem tudo que dizem por aí deve ser levado a sério.

Pois Fátima e uma de suas amigas pegaram táxi juntas e, assim que se instalaram, começaram a conversar sobre a vida, concordando, ambas, que namorado até dava para arranjar, mas homem de verdade não estava dando sopa. Homem de verdade sendo aquele que cuida da parceira, abre a porta do carro, leva para conhecer a família, paga um cinema, tem pegada (talvez os rapazes não saibam que esse termo se refere a homens que transmitem virilidade e segurança. Se não sabem, aprendam, que já vi mulheres fazendo loucuras por um homem assim, mas isso é outra história. Conto depois).

Esses caras da Zona Sul, da chamada parte nobre da cidade do Rio de Janeiro só querem saber de academia, carro importado, roupa de grife, não sabem mais como tratar uma mulher, queixavam-se.

- Mas você mora na Penha, no subúrbio tem homem bom, não arranja namorado porque não quer - diz Fátima à amiga.

Ao que, para grande surpresa das duas, o taxista se intromete:

- As senhoras me dão licença, mas é isso mesmo, no subúrbio é que tem homem bom. Eu moro em Cascadura e lá a gente gosta de mulher, trata com respeito.

E passou-lhes o cartão, garantindo que, se ligassem, ele apresentaria aos amigos, pegava em casa, levava de volta...

A amiga se virou lá pela Penha mesmo; Fátima tratou de ligar para o rapaz, porque uma oportunidade dessas não aparece todo dia.

TÁXI TRÊS – Na falta de dinheiro...

E chegamos ao último caso, bem diferente dos anteriores. Não há mulheres envolvidas e é melhor tirar as crianças da frente da tela.

Seu Paulo pegou o rapaz no Centro da cidade, final de expediente. Rapaz bem vestido, terno, gravata, pasta. O passageiro deu o endereço e, ao chegarem, pediu que o carro parasse no sopé de um morro bastante conhecido como ponto de tráfico de drogas.

- O senhor me espera, que eu já volto.

Seu Paulo ficou incomodado, o lugar era perigoso, mas como deixar um cliente na mão? A pasta ficara no carro, Deus o livrasse de ser acusado de roubo, não podia largar a pasta no chão e ir embora. Antes, porém,  de chegar a qualquer conclusão, o passageiro voltou.

Voltou ligeiramente alterado pelos efeitos do pó branco, cujos vestígios ainda podiam ser vistos na aba do seu nariz. O taxista nem pergunta coisa alguma, mal ele entra, e Seu Paulo parte correndo para o mesmo ponto onde o pegara. Ao saber o valor da corrida, o passageiro demora um pouco para responder:

- Meu dinheiro acabou, mas o senhor pode ficar com meu corpo, eu sou limpo e gostoso...

Seu Paulo apenas abriu a porta do carro. Há dias fáceis e dias difíceis, a sabedoria da vida está em saber aceitá-los.

Comentários

Anônimo disse…
Muito bom, adorei ler suas crônicas.
Sonia
Cecilia Radetic disse…
Zo, como sempre surprende! ADOREI!!! Vamos ao livro, amiga!
Anônimo disse…
Melhor impossível. Os taxistas são as antenas da cidade. VC captou lindamente: vou de táxi agora e sempre! Beijos e sucesso. Aglae
albir disse…
Todo ambiente é interessante, Zoraya, quando você escreve.

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