SE EU PUDESSE... >> Carla Dias >>
Nessas horas, penso como não somos capazes de tudo, não somos o que diz a propaganda infectada por uma autoconfiança panfletária. Não podemos tudo apenas porque queremos. No meio do caminho, até mesmo o nosso desejo pode se transformar, É que, como na maioria dos departamentos da nossa biografia, dependemos do outro, do que ele pensa, do que ele sente, do que ele escolhe. Somos combinação, não projeto solo. Não quando se trata de viver além das nossas vontades.
Eu juro que o meu desejo, hoje, é o de lhes oferecer uma história repleta verbos, incitando ações emocionais: acalentar, verbalizar, enobrecer, amar, transcender, contemplar, colaborar, embevecer. Verbos modificadores do andamento da nossa existência, elaborando, com maestria, variações sobre o tema vigente da nossa existência.
Era o que gostaria, apesar de existir um tanto desencontrada, observando portas fechadas, distâncias, remendos. Só que, ainda assim, almejo melhorias. Como as almejam aqueles que se dedicam às reformas, que sabem o que pode e o que não pode ser modificado, apenas melhorado e, sempre que possível, restaurados. Aqueles que enxergam no caos a ordem.
Se hoje eu alcançasse a habilidade de lhes escrever uma história, ela teria heróis, não com roupas especiais de gosto duvidoso, mas certamente com interesses que abrangeriam mais do que seus universos particulares. Eles sairiam em bandos para festejar a conquista de um naco que fosse de esperança de um mundo menos intolerante. E cada um beijaria seu par na boca, porque beijar na boca é bom até para os heróis. Alguns deles abrandariam as mágoas alheias ao falarem sobre suas próprias histórias. Porque não há nada mais cativante do que percebermos os heróis como sujeito humanamente prejudicado pela emoção, inspirando-nos a cometer heroísmos cotidianos, dos sutis, dos que fazem o mundo girar mais manso.
Pena que hoje a história me escapou, porque até pensei que poderia nela incluir o mar... E pássaros. Eu raramente incluo pássaros nas minhas histórias. Janelas dando para vistas deslumbrantes, pés sendo lavados pelas ondas do mar, respiração ofegante por dor ou por prazer, mas pássaros não. Asas sim... Dos anjos, principalmente, porque teimo em acreditar que eles existem dentro e fora da gente, e no outro. Mas é o canto de um pássaro que não sei qual é que chega a mim nesse momento, enquanto teclo letras que são impressas na tela. Eu não o vejo, apenas o escuto, ele teimoso que é para desabitar seu lar em uma árvore condenada de uma rua qualquer de uma cidade.
Se eu pudesse, ainda hoje, eu lhes contaria uma história sobre pele, pelos, sons e toques. Ou talvez sobre a menina debruçada no muro, olhando para o outro lado dele, o proibido, e achando tudo muito interessante. Quem sabe, sobre o homem encantado com a solidão, que vê na ação de fechar as janelas, assim que a noite cai, uma promessa de abrir os olhos, na manhã seguinte, e apenas isso o fazer sentir alento.
Eu realmente gostaria de lhes contar uma história, hoje. Se eu pudesse...
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