MC NEYMAR E O HOMEM DE DEUS
>> André Ferrer
Manhã. O coletivo
parou. Se aquele ponto estava praticamente vazio, que eu não me iludisse! Nos
próximos, haveria gente o bastante para lotar três ônibus iguais àquele.
Os gatos-pingados
embarcaram e um deles — percebi logo — valia por toda uma multidão.
Lembrei-me de Tim Maia,
que se declarava um cantor de funk
brasileiro no estilo da Motown. Funk! Como assim? É primavera, te amo...
trago esta rosa?! Nenhuma relação com o baixo nível dos dias de hoje.
O garoto avançou e
ocupou o banco da frente. Camisa regata. CD
player. Mochila. Boné. Correntão no pescoço. Tão doutrinado pelo estilo
mostruário de camelô que era incompreensível aquela falta dolorosa (para mim e,
acredito, para a maioria esmagadora dos passageiros) do acessório mais
importante: fones de ouvido!
O funk, como gênero musical, consolidou-se na década de 1960. O jazz, o soul e o rhythm and blues
fundamentaram um estilo novo em que a ênfase deixava de ser na harmonia e na
melodia. Basta ouvir James Brown, o responsável
pela fusão dos estilos, para descobrir que o elemento central do funk é o ritmo.
Compulsoriamente
envolvido pela batida, ergui o queixo e descobri traços de um corte moicano ao
redor do boné. O garoto estava na moda. Eu estava perdido. Calor de assar
paciência. Gírias de marginal. Barbarismos linguísticos de sentido duplo. E
claro: elogios à fêmea que se abaixava e esfregava o orgulho em algum lugar
abaixo da dignidade em troca de ser a preferida do chefão local. Primavera, oh,
primavera esquecida! Fiquei com vontade de puxar a corda e descer no próximo
ponto.
No Brasil, tudo começou
no Rio de Janeiro. Não nas favelas onde o samba imperava nos anos de 1960. O funk de Tony Tornado & Cia flertava
com o movimento Black Power, mas não fazia
o elogio do crime. Não representava facções. Não transformava as nossas meninas
em cachorras. Fora James Brown, havia
outras geniais influências externas, Jackie
Wilson, Lionel Richie, Stevie Wonder, Marvin Gaye, todos da Motown
Records. Havia, enfim, qualidade musical, poesia nas letras e muito
respeito à inteligência.
Lá pelas tantas, o Mc Neymar puxou a corda. Graças a Deus:
ele desceria. Então, percebi uma fila enorme no ponto seguinte. Impraticável
seguir numa lata de sardinha lotada e, ainda por cima, com aquele ruído. Fiquei
aliviado.
Enquanto as pessoas
embarcavam, observei o garoto. Ele entrou no botequim diante do ponto. Um
minuto depois, apareceu sem a mochila. Trazia na mão direita algo que logo
reconheci como material de panfletagem. Sob o braço esquerdo dois cavaletes que,
habilmente abertos, revelaram o sorriso de um candidato, pastor Fulano de Tal, Nº
12.969, UM HOMEM DE DEUS NA CÂMARA.
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