SOBRE MÚSICA E GAVETAS FECHADAS >> Mariana Scherma
De todos os poderes que a música tem, o meu
preferido é o fato de ela nos transportar pra uma época pela qual já passamos e
a que muito provavelmente deixamos pra trás por descuido, pressa ou
esquecimento mesmo. É como se algumas canções em especial tivessem o poder de
abrir gavetas de sentimentos que a gente mal lembrava que tinha fechado. Sim,
este texto tem uma dose ou outra de melancolia. Mas é uma melancolia
gostosinha.
Essa semana passei por algum carro que tocava Always do Bon Jovi, o que acordou em mim
uma adolescente de 14 ou 15 anos que dormia em sono meio profundo. Explico: eu
sou filhote dos anos 90. Foi nessa década que deixei de ser criança e virei
adolescente. E, como não podia ser de outro jeito, sou filhote dos anos 90
musicalmente também. Bon Jovi embalou minhas primeiras paixões e as promessas
de primeiras paixões. Alanis Morissette virou quase minha melhor amiga
imaginária quando as primeiras paixões se provaram um barco furado nível
Titanic, só ela entendia minhas frustrações. Aerosmith me fazia ficar sem
piscar na frente da MTV esperando algum clipe começar pra eu apertar o rec do
videocassete (caramba, foi no século passado!). Música funcionava como minha
aula particular de sentimentos.
Meu vício nas emoções que essas canções me despertavam
era tão gigante que eu passava as tardes de folga traduzindo as letras
preferidas e foi graças a minha pureza dos 13 anos que perguntei ao primo mais
velho de uma amiga o que a Alanis queria dizer quando cantava You took me out to wine dine 69 me em Right Through You ou como assim descer
em você quando ela cantava Would she go
down on you in a theater? em You
Oughta Know. Lembro bem a cara de como-eu-saio-dessa do pobre menino ao
responder “ah, um dia você vai entender. Ela usa muitas gírias e palavrões”.
Ãham! Eis aí uma lembrança que me deixa com as bochechas coradas até hoje.
O fato é que eu ouvi um trecho mínimo de Always, mas foi suficiente pra me
lembrar de como era bom carregar tantas esperanças... Sei lá por que a gente
vai as perdendo no meio do caminho. E olha que sempre achei o romantismo de Always meio pedante, muito exagerado
quando ele diz forever and a day e
ainda mais ao cantar I’ll be there till
the stars don’t shine. Caro Bon, quando as estrelas não brilharem mais,
você não estará ao lado de ninguém, vai por mim! Eu sou mais a favor de um
romantismo pé no chão, tipo em Born To Be
My Baby, we both got jobs cause
there's bills to pay. Enfim...
Quando cheguei em casa, quase pedi desculpas formais
a minha coleção de CD dos anos 90, que ficaram esquecidos em função dos meus
momentos quase cult e mais intelectuais. Sim, eu me forcei a ser uma fanática
por Chico Buarque, não deu, só gosto. Também tentei viciar em Paulinho da
Viola, quase funcionou: gosto mais que o Chico, mas menos que o rei Roberto e o
Lulu Santos. Meu coração é meio pop, ué.
Mas o maior pedido de desculpa mesmo foi para a
minha versão romântica e sonhadora dessa época. Agora que ela acordou, não vou
mais deixá-la dormir: é só apertar o play vez ou outra de uma pérola dos anos
90, que, OK, pode não ser tão valiosa e cheia de poesia quanto um Chico, mas
que desperta emoções tão bonitas quanto. Bom mesmo é saber que meus sentimentos
têm uma pitada de samba, um porção de rock (um pouco farofa, eu sei), um
punhado de pop quase rock. Vai ver, encontrar sua essência é se achar um pouco
em cada letra, pouco importa o ritmo. Mas confesso que nunca me achei no axé
e no sertanejo universitário, desculpa quem é fã.
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