AS COISAS DO PAPA E OUTRAS VIAGENS
>> Zoraya Cesar
Cada pessoa tem seu modo particular de viajar. Há os que planejam minuciosamente cada detalhe, os que nada planejam e, das mil maneiras de viajar, a melhor é aquela que se adapta à sua personalidade.
Mas, de qualquer maneira, é aconselhável saber onde está e a importância do lugar visitado, se não pelo aspecto histórico e cultural, que seja para não desperdiçar tempo e dinheiro. E, se não for muito esforço, aprender algumas frases e palavras básicas, ou por cortesia, ou, ao menos, para evitar situações constrangedoras. E, pelo amor de Deus, exercitar algumas regras simples de respeito ao próximo (de onde tiramos nós, brasileiros, essa mania horrenda de falar tão alto que podem nos ouvir a mais de 20 metros de distância?).
No entanto, nem todos pensam assim e, como disse, cada um viaja à sua maneira. Querem ver?
Perdidas – Se é para ficar perdido, que seja no Forum Romano, que é mais elegante. Estávamos procurando no mapa o templo de Júpiter, quando duas brasileiras se aproximam e perguntam como sair daquele lugar esquisito, pois não estavam encontrando nada para ver! Como se não bastasse, ainda perguntaram o que, afinal, era esse tal de Forum Romano, e se despediram com essa (atenção, não é para estômagos fracos): “Então é isso? Que coisa sem graça”...
Nada a fazer em Paris – Um conhecido achou por bem nos aconselhar, do alto de sua vasta experiência, a passar apenas dois dias em Paris, suficiente para conhecer a cidade toda, bonita sim, mas sem muitas opções de lazer, garantiu. Ele, por exemplo, pegou o ônibus de turismo, passeou o dia inteiro e subiu na Torre Eiffel. Museu? Só o Louvre, para tirar umas fotos com a Mona Lisa (quadro bobo, disse, não sei o porque dessa coisa toda). O segundo dia passou andando e dormindo nos Jardins de Luxemburgo. Então, perguntava-nos, repleto de certezas, o que mais há para se fazer em Paris? Somente a caridade me impediu de responder.
Café preto – local: recepção do hotel; personagens: duas brasileiras (de novo, de novo) e um garçom francês; ação: elas apontam para a máquina de café. Essa é uma palavra de sonoridade parecida em várias línguas, mas, ainda assim, porque falar com o garçom, não é mesmo? Apontar basta. Elas reclamam que o café estava fraco e o devolvem. Agora, atenção à imagem: duas mulheres falando alto e ao mesmo tempo caféeeeeee, assim, com a última sílaba bem alongada, uma apontando para objetos escuros, gritando preto, caféeee preto, enquanto a outra apontava para o próprio bíceps contraído falando “forte, bem forteeee”. Sinceramente, eu prefiro não passar por esse tipo de situação.
Sorvete – Uma amiga voltou de viagem indignadíssima com a indelicadeza da gerente de uma livraria francesa, que não permitiu que ela circulasse entre os livros carregando uma casquinha enorme de sorvete. Um absurdo, falou, como assim, o que tinha de mais? Gente mais fresca, esses franceses. Mas me vinguei, disse, dei uma lambida enorme no sorvete, bem na cara da tal gerente e saí sem comprar nada (eu resolvi não me manifestar. Não quis perder a amiga, uma pessoa querida).
Pintura na parede – Essa é dolorosa, mas é rápida. Quem não acreditar pode ler de novo. Saindo do Convento Santa Maria delle Grazie, onde está exposta a Última Ceia, de Leonardo da Vinci, ouvi o seguinte comentário saído de dentro de um grupo de, adivinhem, brasileiros (e como não ouvir, se falam tão alto quanto uma sirene enlouquecida?): “ Ah, então é isso? Uma pintura meio apagada na parede? Paguei para isso?”.
Uma reles capela – Há vários motivos para se ir ao Vaticano: religiosidade, interesse artístico ou histórico e até simples curiosidade. Seja qual for o motivo, no entanto, presume-se a pessoa saiba onde está.
Então, caro Leitor, não presuma coisa alguma, é melhor. Assim, você não se espanta com a cena que presenciei: em plena Basílica do Vaticano, as pessoas em silêncio respeitoso ou falando em voz baixa, passa por nós um grupo de rapazes - brasileiros – conversando em voz altíssima, um deles ao celular: “E aí, cara, tô aqui numa capelinha”. A bem da verdade, um de seus colegas corrigiu-o, mas o tal, não se dando por achado, nem perdido, esclareceu “tô na capela Vaticano”...
Eu poderia dizer “pano rápido”, mas tem mais uma envolvendo o Vaticano: duas brasileiras (e precisava dizer?) se aproximaram e pediram ajuda para comprar o lanche - italiano não tem muita paciência para esperar que você se faça entender e a fila estava longa. Começamos a conversar, perguntamos se estavam gostando da viagem, e uma delas mandou essa: “Ah, é meio chato, né, a excursão levou a gente para ver as coisas do Papa...”. As ‘coisas do Papa’. Agora sim, pano rápido e esvaziem o proscênio, que o incêndio é grave.
Comentários
Nem Nero em sua maior loucura poderia imaginar o que os incendiários brasileiros conseguem com seus apontamentos grotescos. Beijos. Aglae
Mas se alguém mais reclamar, eu faço o sacrifício de passar mais que dois dias em Paris...
Mais uma para a sua coleção: ônibus de excursão em Londres. Um casal paulistano da gema (daqueles que falam "ôrra, meu!") estavam reclamando de fome e queriam comer macarrão com frango em Londres. Às tantas, ao passarmos pela Torre de Londres, a mulher, aos berros: "olha, benhê, um castelinho medieval!"
Excelente crônica, parabéns!
seu texto em lembrou duas historinhas bem brasileiras, que passo a resumir.
Uma aconteceu no programa do Chacrinha há quarenta anos atrás. Perguntado sobre o que ia cantar, o candidato respondeu: "um sambinha". "Que sambinha, meu filho?" perguntou Chacrinha, e o candidato:"Aquarela do Brasil". O velho guerreiro teve um ataque: "Sambinha? Aquarela do Brasil é um sambinha? Isso é um hino brasileiro. Sai daqui e não me apareça mais!" E dizia isso apertando furiosamente a sua buzina.
A outra é contada por João Saldanha em sua crônicas. Refere uma carta que Garrincha teria enviado de Roma para o Brasil. Em determinado trecho, lê-se: "Não sei porque essa onda toda por causa do Coliseu. Ele é menor que o Maracanã, e não está nem terminado ainda...".
Beijo, Zoraya.