O PODEROSO E A MARMOTA
[Carla Cintia Conteiro]
Dizem por aí que se você realmente quiser conhecer um homem,
é preciso dar-lhe poder e se você quiser saber quem é uma mulher, basta
separar-se dela. Maldade! Há mulheres poderosíssimas sem noção e muitos homens
mal-amados. De qualquer forma, como o que determina as ações e reações de um
ser humano é a sua capacidade de resiliência e sua autoestima, aí estão as
situações em que uma pessoa vai se mostrar integralmente. Pois não é alguém com o auto-conceito bem
avacalhado que sentirá prazer em pisar em outro ser humano? Do que é capaz quem
carece dos instrumentos psicológicos para seguir em frente depois de uma
rasteira amorosa?
Fair play e classe atestam o bom berço. Elegância quando se está
ganhando ou perdendo também pode ser a parte visível de quem teve a sorte de
encontrar algum bom mestre pelo caminho em algum momento na vida. Sobretudo,
distinção e dignidade nos momentos de glória ou miséria fazem parte daquilo que
temos de mais íntimo, aquilo que alguns chamam de caráter. É isso que pode
dominar aquele instinto espírito de porco de humilhar um subalterno ou arranhar
o carro novo do ex.
Sabe aquele momento em que o chão se abre sob nossos pés? Bem
quando alguém pensa que tem o outro na mão, num relacionamento sólido e
inabalável e, sem aviso ou depois de ignorar todos eles, toma um pé na bunda ou
não há qualquer outra opção senão por um ponto final em tudo? Esta é a hora em
que a porca torce o rabo. Quem vai chorar abraçando o travesseiro por um tempo
e depois levar a vida adiante, a renovar a alegria todos os dias? Quem vai
traçar planos mirabolantes de vingança? Quem vai abandoná-los e até rir deles e
quem vai tentar levá-los a cabo? Quem vai procurar todas as chances de
infernizar a vida alheia, numa busca desesperada pela atenção irremediavelmente
perdida, abrindo mão de todas as chances de buscar a própria felicidade em
troca da ilusão de que poderá impedir a felicidade alheia? Quem vai ficar preso
ao dia da marmota? Quem vai dar a volta por cima?
As medeias demonstram sua pouca evolução espiritual não
apenas com sua dificuldade em perdoar, mas na incapacidade de escolher a luta
mais adequada aos mentalmente saudáveis: a busca por seu contentamento, não
pelo desgosto dos outros. Porque o sofrimento não é licença para a
perversidade, nem a retirada do amor eterno prometido ou imaginado é crime
punível com prisão perpétua a uma alma atormentada. Pelo contrário, até aqui no
Brasil, cada vez mais a Justiça se sensibiliza com aqueles que são vitimas da
ira dos recalcados e dos rejeitados. A Lei Maria da Penha não é só para
mulheres. Homens também podem denunciar agressões sofridas. O stalking, cujo significado literal é “atacar à espreita”, também
conhecido como síndrome do molestador, ainda é considerado apenas
contravenção penal por essas bandas, mas isso vai mudar em breve, se tudo der
certo. Essa odiosa prática de uma pessoa
insistir em perseguir outra, mesmo sabendo que esta não o deseja por perto,
segue a passos céleres para a criminalização.
Entretanto, ao contrário do que se pensa, não é apenas a dor
que faz aflorar o lado sombrio das criaturas humanas. Um momento de fortuna,
que irá empoderar o sujeito, pode colocá-lo diante de seu monstro interior. Pode
ser que, secretamente, ele tenha imaginado a vida inteira ser merecedor de mais
do que tinha e, agora, quando finalmente alguém lhe atribui valor e ele galga
algumas posições hierárquicas ou sociais, não precisa mais disfarçar a vontade
de vingar-se de todas as humilhações sofridas ou fantasiadas.
Aquele que espezinha quem pretende em posição inferior à sua
pode pensar que engana alguém com seu nariz empinado, mas todo mundo sabe que
ele é um coitado, cheio de traumas não curados, provavelmente mal dotado no
físico - certamente no espírito.
Também o chefe mau tem que ficar mais atento, contudo.
Assédio moral no ambiente de trabalho é passível de punição não apenas dentro
da própria empresa, mas diante de um juiz. Tendo tudo documentado, com ajuda de
testemunhas, é só buscar uma das Delegacias Regionais do Trabalho e lutar pelos
seus direitos para acabar com os abusos.
Assim, os dois tipos, tanto o opressor quanto o perseguidor,
padecerão no inferno do desamor e da mais profunda solidão existencial,
enquanto não lançarem sobre si mesmos um olhar franco e misericordioso. Acompanhamento médico e psicoterapia são indicados.
Algum auxílio espiritual também. Até porque, entre outras coisas, correm
o risco de terem que cumprir uma etapa atrás das grades.
Comentários
Li outro dia uma frase que me lembrei ao começar a ler a crônica:
"Quer conhecer bem uma pessoa?
Diga não para ela."
Obrigada.
Um abraço.