L'AMORE NO >> Leonardo Marona
"orgulho do papai"
o suicídio foi marcado no primeiro dia
a fogo, ferro e, vá lá, algumas rosas,
estas que, nós bem sabíamos, jamais
agüentariam o mau tempo do adeus,
mas mesmo assim nós lambíamos
estas rosas de plástico como filhas,
e no fim chegou o dia, ficamos eu
e a corda e o penhasco e a árvore,
você se foi, fugimos ao combinado
e de ti, desculpe amor, roubei a foto
que guardarei na carteira, e daqui
a vinte anos, quando perguntarem,
responderei: essa aqui é a minha filha.
"fim de partida"
agora, prometo, calarei minhas chaves,
deixarei escorrer, dolorido, todo visco.
me arrancaram os corrimões infalíveis
e a memória antecipa-se aos acordos.
nada mais de gritos de veludo, os tiros
de festim tornaram-se balas de ponta
metálica, como o gosto no fundo do sexo
que não fornece mais ao cúmulo armas
necessárias para perpetuar com cismas
o que cansamos de matar com nomes.
agora você já vai bem longe, sumiram
os precipícios em cuja beira dormíamos
calmos, o vento parado anuncia cortes,
não mais, porém, os cortes renegados
pelo que no fundo doía de dor legítima.
esquinas não receberão mais as ancas
do que borbota como lava, mas já não
queima, porque somos agora carvões
abandonados ao fogo leve da partida,
e quem sabe voltaremos, quem sabe
um dia não acenderemos como brasas
para deixar a carne ainda crua dentro,
por mais que, fora, a pele não responda.
"crime passional"
é preciso ter muito amor,
para enfim matar o amor,
para, não sobrando nada,
termos pelo que morrer.
é preciso não saber nada,
matá-lo como um viciado
atrás do que já não enche
mais o coração desatento.
não se espera a enchente
que arruinará as cidades.
engolimos água e fomos
obrigados a ver os peixes.
uma vez vistos os peixes,
estamos arruinados, não
há nada a fazer, o amor
receberá a faca na nuca.
necessário, infelizmente,
aos com muito amor, ir
na direção do que espera
ainda quente, respirando
com dificuldade horrível
e meter a faca até o fundo
e tirar o sangue, lamber
a faca aos prantos, afinal,
só se mata o que se quer
para sempre vivo, em nós.
"assassinos também mandam flores"
porque você é a ideia mais perfeita de deus,
porque me bato nas paredes, quero gritar
nas ruas, porque não importa a chuva, a falta
de luz na cidade, os mortos pobres do Haiti,
porque estou aqui, pensando o que eu faço
com essa mulher que vai embora enquanto
eu ficarei com toda essa maravilhosa carga
de quem tocou no fogo azul incomensurável
que não chega a queimar a pele, mas deixa
marcas do que teimamos em não chamar,
jamais chamar de amor, porque não sei mais
chamar o que me chama cada dia mais perto
enquanto perdemos os dias, exaustos, loucos,
e aqui morro de asma na calçada de teus pés.
"declaração fulminante"
vemos o necessário apenas
e a escuridão total facilita.
digo baixinho, quase mudo,
coisinhas delicadas, choro,
e sei que você entende tudo,
porque não ouve nada: olha
babe, como te amo no escuro.
o amor só é possível assim.
"taís"
com a barba vermelha banhada em sangue,
dirijo-me à gruta da tua vontade liquefeita.
os olhos já não esperam a carne do vacilo,
o corpo treme, mas as mãos, enfim, unidas
massacram com delicadeza tua pele úmida.
tento falar das coisas do amor, mas tu fechas
com tua mão minha boca e exiges um pouco
do veneno cotidiano que nos salva e arrasa
as paredes do tédio diário, e nós estamos ali,
nos banheiros apertados, agarrados à volúpia
que não exige palavra, mas sim o desperdício
com o qual faremos a comunhão das espécies
e pularemos etapas, nos graduaremos ciganos,
não precisaremos talvez mais ter que começar
os poemas com as barbas banhadas em sangue.
estaremos tortos enfim, para sempre esgotados,
e nosso sorriso satisfeito calará todos os poetas.
"l'amore no"
forte como o sol, hoje arrancarei tua roupa
e, vagarosamente, penetrarei por um segundo
no teu âmago, como diria Leopardi, te farei
dizer meu nome aos sussurros, o dedo fundo
na tua boca úmida, nossa respiração obscena
envergonhará os versos, arrancará toda asa.
seremos o delírio árabe, e as sirenes trarão
os mortos pelo êxtase, e a completude viva
do cansaço, do sol sufocante, do suor morno
compartilhado entre estranhos serão a nossa
força, nossa diáspora, nosso pistão de ferro.
e desatentos, desditosos, iremos com braços
dados, em meio aos turistas de outras línguas,
enquanto nós, os perenes, diremos baixinho
na única língua do amor: no, l’amore no.
"chuva"
a felicidade tem
esse lado ruim:
quando acaba
a gente fica
triste.
www.omarona.blogspot.com
o suicídio foi marcado no primeiro dia
a fogo, ferro e, vá lá, algumas rosas,
estas que, nós bem sabíamos, jamais
agüentariam o mau tempo do adeus,
mas mesmo assim nós lambíamos
estas rosas de plástico como filhas,
e no fim chegou o dia, ficamos eu
e a corda e o penhasco e a árvore,
você se foi, fugimos ao combinado
e de ti, desculpe amor, roubei a foto
que guardarei na carteira, e daqui
a vinte anos, quando perguntarem,
responderei: essa aqui é a minha filha.
"fim de partida"
agora, prometo, calarei minhas chaves,
deixarei escorrer, dolorido, todo visco.
me arrancaram os corrimões infalíveis
e a memória antecipa-se aos acordos.
nada mais de gritos de veludo, os tiros
de festim tornaram-se balas de ponta
metálica, como o gosto no fundo do sexo
que não fornece mais ao cúmulo armas
necessárias para perpetuar com cismas
o que cansamos de matar com nomes.
agora você já vai bem longe, sumiram
os precipícios em cuja beira dormíamos
calmos, o vento parado anuncia cortes,
não mais, porém, os cortes renegados
pelo que no fundo doía de dor legítima.
esquinas não receberão mais as ancas
do que borbota como lava, mas já não
queima, porque somos agora carvões
abandonados ao fogo leve da partida,
e quem sabe voltaremos, quem sabe
um dia não acenderemos como brasas
para deixar a carne ainda crua dentro,
por mais que, fora, a pele não responda.
"crime passional"
é preciso ter muito amor,
para enfim matar o amor,
para, não sobrando nada,
termos pelo que morrer.
é preciso não saber nada,
matá-lo como um viciado
atrás do que já não enche
mais o coração desatento.
não se espera a enchente
que arruinará as cidades.
engolimos água e fomos
obrigados a ver os peixes.
uma vez vistos os peixes,
estamos arruinados, não
há nada a fazer, o amor
receberá a faca na nuca.
necessário, infelizmente,
aos com muito amor, ir
na direção do que espera
ainda quente, respirando
com dificuldade horrível
e meter a faca até o fundo
e tirar o sangue, lamber
a faca aos prantos, afinal,
só se mata o que se quer
para sempre vivo, em nós.
"assassinos também mandam flores"
porque você é a ideia mais perfeita de deus,
porque me bato nas paredes, quero gritar
nas ruas, porque não importa a chuva, a falta
de luz na cidade, os mortos pobres do Haiti,
porque estou aqui, pensando o que eu faço
com essa mulher que vai embora enquanto
eu ficarei com toda essa maravilhosa carga
de quem tocou no fogo azul incomensurável
que não chega a queimar a pele, mas deixa
marcas do que teimamos em não chamar,
jamais chamar de amor, porque não sei mais
chamar o que me chama cada dia mais perto
enquanto perdemos os dias, exaustos, loucos,
e aqui morro de asma na calçada de teus pés.
"declaração fulminante"
vemos o necessário apenas
e a escuridão total facilita.
digo baixinho, quase mudo,
coisinhas delicadas, choro,
e sei que você entende tudo,
porque não ouve nada: olha
babe, como te amo no escuro.
o amor só é possível assim.
"taís"
com a barba vermelha banhada em sangue,
dirijo-me à gruta da tua vontade liquefeita.
os olhos já não esperam a carne do vacilo,
o corpo treme, mas as mãos, enfim, unidas
massacram com delicadeza tua pele úmida.
tento falar das coisas do amor, mas tu fechas
com tua mão minha boca e exiges um pouco
do veneno cotidiano que nos salva e arrasa
as paredes do tédio diário, e nós estamos ali,
nos banheiros apertados, agarrados à volúpia
que não exige palavra, mas sim o desperdício
com o qual faremos a comunhão das espécies
e pularemos etapas, nos graduaremos ciganos,
não precisaremos talvez mais ter que começar
os poemas com as barbas banhadas em sangue.
estaremos tortos enfim, para sempre esgotados,
e nosso sorriso satisfeito calará todos os poetas.
"l'amore no"
forte como o sol, hoje arrancarei tua roupa
e, vagarosamente, penetrarei por um segundo
no teu âmago, como diria Leopardi, te farei
dizer meu nome aos sussurros, o dedo fundo
na tua boca úmida, nossa respiração obscena
envergonhará os versos, arrancará toda asa.
seremos o delírio árabe, e as sirenes trarão
os mortos pelo êxtase, e a completude viva
do cansaço, do sol sufocante, do suor morno
compartilhado entre estranhos serão a nossa
força, nossa diáspora, nosso pistão de ferro.
e desatentos, desditosos, iremos com braços
dados, em meio aos turistas de outras línguas,
enquanto nós, os perenes, diremos baixinho
na única língua do amor: no, l’amore no.
"chuva"
a felicidade tem
esse lado ruim:
quando acaba
a gente fica
triste.
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