HOJE FOI ANTEONTEM >> Eduardo Loureiro Jr.
Às vezes, me sinto desconfortável quando escrevo com antecedência uma crônica que só será publicada alguns dias depois. Gosto da sensação de escrever no final da manhã de domingo e publicar a crônica imediatamente, como quem lança o anzol na água e fica esperando, quieto, aparecerem os peixes dos comentários.
Quando escrevo antes, como hoje, com dois dias de antecedência, sinto-me falso porque vocês vão ler, no domingo, uma emoção requentada, que talvez já não seja mais a minha emoção. Sei que meu motivo é justo — estarei viajando, sem acesso à internet, sem acesso nem mesmo a telefone celular — mas, se isso anula a culpa, não desfaz o sentimento de perda da relação quase imediata com vocês, leitores.
Então fiquei aqui pensando o que eu escreveria se escrevesse só daqui a dois dias. É certo que não terei tempo para isso, estarei com outros colegas escritores planejando mais um ano de atividades da Casa de Autores. E, como sempre digo, reunião se define como um encontro de pessoas para falar de coisas que estariam fazendo se não estivessem reunidas. Com a literatura não é diferente: escritores reunidos não escrevem.
Esses dias, andei mesmo pensando em parar de escrever. Solicitar ao menos uma licença para o chefe do Crônica do Dia, que sou eu mesmo, pedir-lhe que arrume outra pessoa para me substituir por uns tempos. (Algum leitor-escritor aí se habilita?). Algum de vocês já fez algo de que realmente gosta, mas que incomoda as pessoas? Não, não estou falando de determinados tipos de música — e não vou nem identificar o estilo para não incomodar ainda mais gente. Falo de coisas simples, banais. Não, também não é tirar meleca do nariz, que, por mais inofensivo que pareça e seja, incomoda deveras certas pessoas. Falo mesmo de coisas que podem até ser bonitas: feito dança, pintura, literatura, música. E não falo no sentido de artistas vanguardistas que incomodam com suas quebras de normas. Falo de um bolero qualquer, de um retrato, de um conto tradicional, de uma canção de amor.
Porque essas coisas bonitas que a gente faz de vez em quando — aos domingos, por exemplo — deveriam servir para embelezar a vida, para alegrar as pessoas, para animar, para gerar encontros. Mas nem sempre é o que acontece. Beleza às vezes presta um desserviço à paz da humanidade, e não falo aqui das mulheres que passeiam de saia pelas tardes, presas fáceis do vento que tem feito esses dias, e que distraem os pedestres e motoristas que, até então, estavam concentradíssimos em seus percursos. Falo, por exemplo, de um pôr-do-sol que despertasse não admiração, mas raiva. Já imaginaram um pôr-do-sol despertar raiva? Pode acontecer. Não é nada absurdo. Uma flor pode despertar espirros. O sexo pode matar, gente. Não é porque a coisa é boa que está isenta de malefícios.
Então tenho pensado se minha escrita não está fazendo mais mal que bem, se não é menos arriscado trocar a literatura pela meleca no nariz (que eu também gosto de praticar). Com essas duas horas que economizo no domingo pela manhã (hoje, excepcionalmente, na sexta-feira à noite), eu poderia fazer coisas mais nobres e inofensivas: aguar plantas, fazer as compras da casa, passear com minha mulher no parque, ler o jornal, telefonar para a família e para os amigos. A gente, quando está bem intencionado, normalmente pensa que tem que fazer algo, mas pode ser que o caso seja justamente o contrário: é deixando de fazer que a boa intenção se cumpre.
E no domingo, quando vocês estiverem lendo, talvez se produza um paradoxo: eu terei parado de escrever, mas como escrevi antecipadamente, vocês continuarão me lendo. Fiquem atentos ao que pensam e sentem enquanto me leem. Sentem-se mal? Engolem em seco, têm o coração apertado? Estão vendo? Faço-lhes mal. É o caso mesmo de pensar em parar.
Quando escrevo antes, como hoje, com dois dias de antecedência, sinto-me falso porque vocês vão ler, no domingo, uma emoção requentada, que talvez já não seja mais a minha emoção. Sei que meu motivo é justo — estarei viajando, sem acesso à internet, sem acesso nem mesmo a telefone celular — mas, se isso anula a culpa, não desfaz o sentimento de perda da relação quase imediata com vocês, leitores.
Então fiquei aqui pensando o que eu escreveria se escrevesse só daqui a dois dias. É certo que não terei tempo para isso, estarei com outros colegas escritores planejando mais um ano de atividades da Casa de Autores. E, como sempre digo, reunião se define como um encontro de pessoas para falar de coisas que estariam fazendo se não estivessem reunidas. Com a literatura não é diferente: escritores reunidos não escrevem.
Esses dias, andei mesmo pensando em parar de escrever. Solicitar ao menos uma licença para o chefe do Crônica do Dia, que sou eu mesmo, pedir-lhe que arrume outra pessoa para me substituir por uns tempos. (Algum leitor-escritor aí se habilita?). Algum de vocês já fez algo de que realmente gosta, mas que incomoda as pessoas? Não, não estou falando de determinados tipos de música — e não vou nem identificar o estilo para não incomodar ainda mais gente. Falo de coisas simples, banais. Não, também não é tirar meleca do nariz, que, por mais inofensivo que pareça e seja, incomoda deveras certas pessoas. Falo mesmo de coisas que podem até ser bonitas: feito dança, pintura, literatura, música. E não falo no sentido de artistas vanguardistas que incomodam com suas quebras de normas. Falo de um bolero qualquer, de um retrato, de um conto tradicional, de uma canção de amor.
Porque essas coisas bonitas que a gente faz de vez em quando — aos domingos, por exemplo — deveriam servir para embelezar a vida, para alegrar as pessoas, para animar, para gerar encontros. Mas nem sempre é o que acontece. Beleza às vezes presta um desserviço à paz da humanidade, e não falo aqui das mulheres que passeiam de saia pelas tardes, presas fáceis do vento que tem feito esses dias, e que distraem os pedestres e motoristas que, até então, estavam concentradíssimos em seus percursos. Falo, por exemplo, de um pôr-do-sol que despertasse não admiração, mas raiva. Já imaginaram um pôr-do-sol despertar raiva? Pode acontecer. Não é nada absurdo. Uma flor pode despertar espirros. O sexo pode matar, gente. Não é porque a coisa é boa que está isenta de malefícios.
Então tenho pensado se minha escrita não está fazendo mais mal que bem, se não é menos arriscado trocar a literatura pela meleca no nariz (que eu também gosto de praticar). Com essas duas horas que economizo no domingo pela manhã (hoje, excepcionalmente, na sexta-feira à noite), eu poderia fazer coisas mais nobres e inofensivas: aguar plantas, fazer as compras da casa, passear com minha mulher no parque, ler o jornal, telefonar para a família e para os amigos. A gente, quando está bem intencionado, normalmente pensa que tem que fazer algo, mas pode ser que o caso seja justamente o contrário: é deixando de fazer que a boa intenção se cumpre.
E no domingo, quando vocês estiverem lendo, talvez se produza um paradoxo: eu terei parado de escrever, mas como escrevi antecipadamente, vocês continuarão me lendo. Fiquem atentos ao que pensam e sentem enquanto me leem. Sentem-se mal? Engolem em seco, têm o coração apertado? Estão vendo? Faço-lhes mal. É o caso mesmo de pensar em parar.
Comentários
Bem ou mal, a gente acaba fazendo. Até sem querer, querendo, como diria Chaves. É o risco de viver.
Enquanto isso, vou estar aqui na platéia.
Escritor tem cada uma....:o)
Bj,
Tia Monca
Queria escrever um comentário mais decente, tenho até o que escrever, porque refleti enquanto lia, mas... Tenho que ir! Esse é o problema, não é? O Tempo...
Abraços.
É o mesmo que tentar viver sem comer, conseguiria por quanto tempo?!?
E ainda vai me fazer ficar em jejum tb. :)
A aunsência é que faz.
Abraço,
Fernando
http://cotidianoempilulas.blogspot.com/