JURAMENTO >> Carla Dias >>

Juro pela fragilidade da minha própria humanidade que tentarei não sucumbir às juras decoradas dos pequenos livros de memórias alheias aprisionadas às frases feitas. E que vou cavar buracos nas paredes, até que a luz engravide de presença o vazio dos quartos, requentando deslumbres devotados ao anseio pela recriação.
E recriar amiúde desalentos para que não falte matéria-prima aos poetas e aos autopiedosos.
Juro que sucumbirei aos sorrisos a cada recorrente espasmo de desalegria, transformando a prostração - oriunda do avassalador desconcerto de quem nada sabe sobre si que dirá sobre o outro – no primeiro passo da dança tão aguardada. Mas que fique registrado que as desalegrias enfeitam o chapéu da intensidade, assim como a sua antagônica companheira:
A alegria de enxergar de olhos fechados as margens do corpo, as bordas do espaço, a mansidão da respiração. O vazio instalado em meio às multidões.
Juro não deixar de dar de comer e de beber aos sonhos, e os cuidarei ainda que tenha de niná-los à escuridão do sentir dos carcereiros que se divertem apregoando um poder que jamais desejei ter. E a cada sonho darei um nome que me lembre os que me esperam lá fora, depois das orlas, acima dos templos, nas beiras dos afagos.
E que vou vasculhar cada canto nu em busca da veste que caiba nesse coração que é meu, mas que às vezes me parece do mundo, vagabundeando nas mãos dos amores vãos, bancando o dândi, o entendido, o que se safa e sofre escondido para não alvejar de discordâncias e incômodos os que o cercam.
Juro não desflorestar princípios, assassinar percepções ou trancar todas as portas e as janelas do fascínio. E jamais tapar os poros de onde minam os perfumes e as conquistas, embalados num desvairado sabor afã. E que vou dormir, nas noites de inverno, embrulhada em silêncio, pairando sobre jardins secretos, reverberando a língua das sonatas, contracenando com o índigo do futuro no plural, que é para mantê-lo em aberto, pai das opções.
Juro materializar o amor sempre que possível: gestos, oferendas, dedicatórias escritas em guardanapos, lágrimas na nuca acompanhadas de beijos. Amparo no abraço, candura nas palavras, a fraternidade da companhia. E pontes para aprender a atravessar lonjuras.
Eu juro cada juramento e mais de uma e duas e três vezes. Nem sempre de forma solene, às vezes gargalhando baixo. Juro pela umidade das coisas-sentimento, pela rivalidade entre quem sou e o que sinto, pela camaradagem entre as dores e a infância de quando ainda sequer pensava em construir a mim, do tijolo ao tombo... Do tombo ao voo... Do voo ao desalinho... Do desalinho à catarse.
www.carladias.com

Comentários

albir disse…
Juro que vou sempre ler suas juras poéticas, Carla.
albir disse…
Juro que vou sempre ler suas juras poéticas, Carla.
albir disse…
comentário repetido indevidamente e retirado.
Carla Dias disse…
Ah, Albir... às vezes as juras têm suas importâncias duplicadas. E a repetição nem sempre é indevida. Adorei sua jura... Obrigada!
Há mto tempo não lia algo tão profundo, lindo, tão parecido com o que tenho por dentro...
Oriane
Carla Dias disse…
Oriane... Que o seu dentro seja inundado de paz, durante e após os juramentos e após eles.
Unknown disse…
Minha Amiga Tão Querida, desde antes!

JURO que te saber vivendo no mesmo tempo/espaço/fragilidade humana q eu...vale cada um dos teus juramentos.

E juro, sobretudo, que VALEU e SEMPRE VALERÁ renascer - após a morte - de cada sonho que em minha infância da alma, eu considerava eterno.
;o)))
Belisa Cardoso disse…
Nossa!JURO, que estou sem palavras.
Jamas li palavras tão maravilhosas,num texto esplendoroso!
Virei sua fã Carla Dias!

bejocas
Eu também juro, Carla, de pés juntos aos seus.
Carla Dias disse…
Minha amiga, Josefine... Fico sempre muito feliz com as suas mensagens, principalmente quando elas tratam de estarmos na mesma página, lendo diferente, mas com a compreensão em dia. Obrigada por me ler... Sempre.

Belisa... Sem palavras estou eu diante das suas palavras. Obrigada! De coração...

Eduardo... Que bom ter sua companhia nesses meus juramentos.

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