NÃO, BRIGADA >> Ana Coutinho
Meu marido diz que tenho os olhos maior do que a boca. Discordo solenemente, mas sou abrigada a admitir que tenho alguma dificuldade em dizer uma frase corriqueira, tola, dita por todos ao menos uma vez na vida: “Não, brigada”. Deve ser algum bloqueio, algum trauma de infância, algum carma a ser enfrentado. Chego a invejar aqueles que conseguem, diante de uma bandeja de brigadeiros, dizer, sem nenhum esforço aparente: “Não, brigada”.
Dizem assim, “brigada”, sem o “o”, porque faz parte do seu dia-a-dia negar algo que não lhes interessa. A mim, não.
Sou incapaz de dizer "não, brigada" para um pedaço de frango do prato alheio, para um gole de coca do colega, para um quadradinho do chocolate do outro. Também tenho dificuldade em negar experimentar uma blusinha básica, uma sapatilha nova, ou uma voltinha pra tomar um café. Se me perguntam, talvez por educação, “Ana, vou tomar uma café, quer?”, eu levanto e vou. Não tomo café, mas vou – e, às vezes, chego a depositar o café no copinho, só pelo prazer de segurá-lo quentinho nos meus dedos, ficando depois com aquele problema nas mãos, o café dentro do copinho de plástico, sem destino fácil.
Embora o problema maior seja com alimentos de forma geral, também tenho dificuldade com outras coisas. Se o cabeleireiro me diz que franja pro meu rosto é ótimo, até nego uma vez, mas torço pra que ele diga de novo, para que então eu possa dizer minha frase favorita: “Vou experimentar”.
Experimentar, experimentar, experimentar. Não é disso que é feita a vida? De experiências? E tudo é experiência. Uma empadinha de abóbora, para mim, pode ser uma experiência única e me sinto absolutamente inquieta e angustiada se não souber que gosto tem aquela coisa estranha que alguém me oferece, normalmente com um sorriso no rosto.
Quanto mais esdrúxulo, mais me interessa. Se o maître diz que tem um pato delicioso, lá vou eu pedir o pato e me arrepender loucamente depois, enquanto imploro que meu marido ceda-me um pedaço de seu habitual frango grelhado. Nem passa um dia, ainda no mesmo jantar, todas as sobremesas do cardápio me parecem interessantes. Tudo, tudo me interessa, com exceção de cigarro e drogas ilícitas em geral, posso dizer que sou incapaz de pronunciar as palavras mágicas: “Não, brigada”. Por essa razão, já tentei transformar bolinhas de queijo e sorvete em drogas ilícitas. Raramente consigo. E se meu companheiro não partilhar da minha rara negativa e resolver aceitar, perde o dele para mim em questão de segundos.
A vida por vezes torna-se tão irresistível em de suas novidades que me sinto sempre aquém do que posso ter. Sempre encantada com uma nova possibilidade, com um novo jeito, um novo gosto, uma nova tentativa. O preço desse encantamento pode ser uma franja horrorosa, um pato esquisito ou uma blusa encalhada no armário. Meu consolo é que o preço da não tentativa, o preço pago por aqueles que conseguem viver sempre com o mesmo filé com fritas, pode ser ainda mais imensurável.
Dizem assim, “brigada”, sem o “o”, porque faz parte do seu dia-a-dia negar algo que não lhes interessa. A mim, não.
Sou incapaz de dizer "não, brigada" para um pedaço de frango do prato alheio, para um gole de coca do colega, para um quadradinho do chocolate do outro. Também tenho dificuldade em negar experimentar uma blusinha básica, uma sapatilha nova, ou uma voltinha pra tomar um café. Se me perguntam, talvez por educação, “Ana, vou tomar uma café, quer?”, eu levanto e vou. Não tomo café, mas vou – e, às vezes, chego a depositar o café no copinho, só pelo prazer de segurá-lo quentinho nos meus dedos, ficando depois com aquele problema nas mãos, o café dentro do copinho de plástico, sem destino fácil.
Embora o problema maior seja com alimentos de forma geral, também tenho dificuldade com outras coisas. Se o cabeleireiro me diz que franja pro meu rosto é ótimo, até nego uma vez, mas torço pra que ele diga de novo, para que então eu possa dizer minha frase favorita: “Vou experimentar”.
Experimentar, experimentar, experimentar. Não é disso que é feita a vida? De experiências? E tudo é experiência. Uma empadinha de abóbora, para mim, pode ser uma experiência única e me sinto absolutamente inquieta e angustiada se não souber que gosto tem aquela coisa estranha que alguém me oferece, normalmente com um sorriso no rosto.
Quanto mais esdrúxulo, mais me interessa. Se o maître diz que tem um pato delicioso, lá vou eu pedir o pato e me arrepender loucamente depois, enquanto imploro que meu marido ceda-me um pedaço de seu habitual frango grelhado. Nem passa um dia, ainda no mesmo jantar, todas as sobremesas do cardápio me parecem interessantes. Tudo, tudo me interessa, com exceção de cigarro e drogas ilícitas em geral, posso dizer que sou incapaz de pronunciar as palavras mágicas: “Não, brigada”. Por essa razão, já tentei transformar bolinhas de queijo e sorvete em drogas ilícitas. Raramente consigo. E se meu companheiro não partilhar da minha rara negativa e resolver aceitar, perde o dele para mim em questão de segundos.
A vida por vezes torna-se tão irresistível em de suas novidades que me sinto sempre aquém do que posso ter. Sempre encantada com uma nova possibilidade, com um novo jeito, um novo gosto, uma nova tentativa. O preço desse encantamento pode ser uma franja horrorosa, um pato esquisito ou uma blusa encalhada no armário. Meu consolo é que o preço da não tentativa, o preço pago por aqueles que conseguem viver sempre com o mesmo filé com fritas, pode ser ainda mais imensurável.
Comentários
O preço desse encantamento chama-se "viver". E viver como já disse alguém é correr riscos.E só experimentando é que podemos dizer: esse eu quero, este não, isso me pertence, isto não, e a partir daí fazermos as nossas escolhas. São elas quem nos definem.
Parabéns, ótimo texto!
Ah, mas tem coisas que eu queria que dessem certo, e queria experimentar uma coisa e depois a outra, pra ver qual dava certo. Mas às vezes, a vida só nos dá oportunidade de experimentar uma opção, né? Aí fica complicado... :os
E o Eduardo tem razão, vc é demaaaaaiiiissss!!!
Beijinhos doces cristalizados!!! ;o)
Muito bom! Desejo que você não perca nunca sua vontade de experimentar e que a vida continue lhe permitindo pegar o frango grelhado, de alguem que tá por perto, quando o resultado do novo não lhe satisfizer :)
Um abraço,
Monica
Experimentar sem culpas é uma ótima meta para os que adoram um "Não, brigada". Bjs!
Ah... como eu queria dizer: "sim, brigada! Posso pegar 2?"
Como nos tolhimos e nos deixamos tolhir...