VENCEDORES EMOCIONADOS >> Maurício Cintrão
Neto é o nome conhecido do João, garção profissional, brincalhão por natureza, guerreiro por força dos acontecimentos. Enquanto eu reclamava da vida e da falta de tempo nos últimos anos, esse piauiense que adotou as terras paulistas como suas estudava sobre o pequeno balcão da copa da empresa.
Eu aqui, meio calado a meu canto, um pouco por desengano, outro tanto por perplexidade. Patinava a embreagem em busca de um fio de meada que permitisse voltar a tecer textos com a mesma sem cerimônia de antes. Perda de tempo a que o Neto não se deu ao luxo. Venceu a falta de tempo, o cansaço e o dinheiro curto superando textos e mais textos de seus cursos.
E nem posso creditar a terceiros a façanha de conhecer a evolução desse rapaz. Entre um café e outro, pude acompanhar de perto a sucessão de vitórias do garção, que superou o supletivo, passou com destaque na prova do Enen e entrou na Faculdade de Letras. Eu deveria ter aprendido a lição mais cedo. Mas nunca é tarde para recomeçar. E eu recomeço humildemente diante desse exemplo que só serve para aumentar a minha certeza no futuro.
Neto escondia sob a bandeja um grande segredo: quer ser professor universitário. E ele sabe que não vai ser fácil. Mas para esse sonhador desavergonhado vai chegar lá com o mesmo sorriso simpático do cotidiano. Sorte de seus alunos, porque terão a chance de aprender com quem sofreu muito para aprender a ensinar. E que com certeza será um excelente mestre.
Pois o ensinar ele já pratica entre nós, seus colegas de trabalho. Bobos que somos muitos de nós, que reclamamos sem motivo importante, enquanto a vida vai sendo construída por sujeitos determinados como o Netinho. Pudera este país ter mais gente como ele. Porque houve incentivo dos colegas de trabalho, sim, mas o maior incentivador do Neto foi ele mesmo. Sem a sua vontade, os momentos difíceis não seriam superados.
Afinal, no cotidiano, as dificuldades aparecem quando ninguém está por perto. A trava da evolução pessoal não está na falta de estímulos externos, mas na voracidade do desencanto e da baixa auto-estima. Esse talvez seja um desafio para todos nós que pensamos cultura e pensamos na formação das novas gerações. Como fazer para que outros jovens não desistam? Como fazer florescer os Netos que aguardam suas chances?
Essa, aliás, é uma boa pergunta para o futuro bacharel em Letras. Um desafio até, se ele me permite, para o futuro professor. Como fazer para que outros garçãos aproveitem a hora vaga com os livros? Talvez ele já tenha resposta. Talvez ainda esteja aprendendo os caminhos para responder. O certo é que ele já passou pelo portal que separa os chorões dos vencedores emocionados.
Comentários
E gostei muito da sua reestréia, viu?
Não é fantástico quando uma pessoa consegue inspirar as outras? E quando nos permitimos inspirar, então...
Acredito que nesse mundão há muitas pessoas como o Neto. Acho até que, a despeito da tristeza que nos toma quando de cara com malfeitorias (dos outros e as nossas próprias), não há nada como aquele deleite de encontrar alguém que nos mostre a construção diária que é viver, superando obstáculos e nos fazendo perceber a dimensão dos próprios problemas. Digo, quando os tornamos maior do que são.
Sorte pro Neto!