ESPIRAL >> Carla Dias >>

Eu viajo – como quem embarca em trem, navio, avião; pega asas emprestadas – através das páginas de um livro. Já me aborreci de jogar exemplar contra a parede, como se esbofeteasse o salafrário da história. E também já apaixonei pelas crianças, homens e mulheres que definiram suas biografias naquelas páginas; fascinei pelas tramas. Embarquei de mala e cuia. Acenei aos presentes: laços, pessoas e fantasmas.
Adoro as noites e descambo a observá-las sem medo. Permito-me orientar pelas estrelas, enquanto caminho rumo a sei lá onde. Já bebi de muitas noites, já me alimentei de luares. Já me ausentei da presença de outras pessoas, dos círculos sociais, assim, deixando o olhar fisgar lonjuras.

Não creio em afetos pela metade. Acredito que o afeto é um inteiro... Não há partes. Se estiver partido ao meio, aos pares, aos fragmentos, não é afeto. É outra coisa sentimento, mas não afeto.
Parto daqui tantas vezes em um mesmo dia que decidi não mais fazer contabilidade. Quando volto para passar férias na realidade, trago comigo agrados para aqueles aos quais dedico um amor que parece frágil, mas é dos honestos, dos que se reinventam, portanto tem lá o seu valor. Trago algumas versões da verdade, um punhado de sorrisos desmascarados. E também me conscientizo sobre o que entristece que é para derrubar prisões.

Escorregando nessa espiral que não aponta chegada, vou colhendo felicidades, discutindo com as fragilidades, dissipando desentendimentos. Às vezes me sinto estrangeira nesse corpo, nesse cotidiano, mas quem já não se sentiu assim? Espero que muitos, a maioria. Como espero que as pessoas voltem a cultivar a paciência para conhecer o outro não só na realidade dos afazeres, mas no fantástico de suas almas.
Imagens: Leo Feltran >> www.feltran.com
www.carladias.com
Imagens: Leo Feltran >> www.feltran.com
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Comentários
Impressionante a idéia do espiral!
Fiquei aqui pensando em todos os ciclos pelos quais passamos. Espero que em todas as suas voltas, o resultado seja de mais experiência e com resultados sempre positivos.
que seja assim com todos nós, pois merecemos. Que as espirais sejam escorregadores a nos levarem além do olhar rotineiro.
Obrigada por me ler e comentar. Beijos!
Apenas uma impressão:
na bela foto do Feltran, a sombra (expandida) nos ilude ser a pessoa, e só depois descobrimos que a pessoa mesmo está de cabeça para baixo, ou melhor, a foto (a captura) fora feita de cabeça para baixo.
Acho que esta imagem ilustra muito bem o texto e até mesmo a arte de escrever.
E eu me sinto junto e tão humano lendo você! Beijos.