LIÇÕES DE SHOPPING, Albir José Inácio da Silva

Shopping não é para mim o melhor dos programas. Principalmente em certas datas. Mas o shopping acabou substituindo a praça e, quando não está lotado, é um lugar onde se pode ficar sentado, observando as pessoas que passam apressadas, tranqüilas, sorridentes, aborrecidas, ou seja, vivendo entre seus pares. Nestes tempos de praças sujas e perigosas, acaba sendo o lugar dos passeios, se não o melhor, por sua artificialidade, o lugar possível.

Fico ranzinza quando me obrigam a ficar horas em lojas lotadas e a dar opiniões que não tenho sobre sapatos e roupas. Pois eram dez horas da noite de um shopping lotado e lojas entupidas quando escutei ao meu lado:

— Elas não se cansam nunca, né? –

Meu vizinho de banco tinha um rosto cansado e uma respiração difícil. Olhava para a mulher e a filha que, ao lado das minhas mulher e filha, seguravam quatro ou cinco pares de sapatos.

A minha impaciência ganhara um aliado. Falei torrencialmente sobre compras demoradas e desnecessárias, sobre voltar à mesma loja três vezes, sobre o meu cansaço àquela hora da noite, sobre entrar e sair de lojas sem conseguir comprar o que queriam.

Para minha surpresa, meu companheiro de infortúnio não estava reclamando. Quando terminei de falar indignado e cheio de “razão”, ele disse apenas:

— Mas elas ficam tão contentinhas, né? E abriu um sorriso cheio de ternura, enquanto acenava significando que gostava do sapato que lhe exibiam à distância.

As minhas não me mostravam nada porque eu ficava ali carrancudo. Eu era importante demais para compartilhar aquela alegria simples. Petulante demais para permitir que elas dividissem comigo o prazer que sentiam.

Desmontei minha cara arrogante e fiquei olhando. É, elas ficam contentinhas.

Quem ensina nunca sabe que ensinou. A lição pertence a quem aprendeu. Meu amigo nem prestava mais atenção em mim, mas eu aprendera algo.

Levantei-me e fui até lá arriscar opiniões sobre coisas que não me interessam, mas deveriam. Primeiro se espantaram, depois sorriram. Eu tinha melhorado um pouquinho. Se eu viver mais mil anos aprendendo assim, vou acabar um cara legal.

Comentários

Seja bem-vindo, Albir. A Claudia estava certa: você escreve com graça. Já estou com vontade de ler a próxima crônica.
Anônimo disse…
Albir, parece que você está chegando agora com as crônicas. Eu sou uma leitora assídua, porém, só há pouco saí do armário e venho fazendo alguns comentários. Gostei demais do que escreveu. Faz parte do cotidiano observar, sem generalizar, os homens se arrastando pelos shoppings. Você retratou tudo muito bem, mas o melhor, sem dúvida, é saber que nós sempre podemos aprender algo mais. Quem sabe, nós mulheres, não começamos a descobrir os encantos do futebol de quarta à noite na TV, não é?
Carla Dias disse…
Bem-vindo, Albir!

Muito bacana ler sua crônica. Ela dá o tom ao fato de que realmente aprendemos o tempo todo e nem sempre as lições são ministradas por gurus credenciados, em palestras de auto-ajuda.

Às vezes, basta estar disponível para este aprendizado.
albir disse…
Eduardo,
obrigado pela recepção e gentileza do comentário.
Marisa,
mantenha-se fora do armário e interaja sempre. Vc não sabe como é importante.
Carla,
obrigado pela acolhida, que antecedeu à própria crônica.
Unknown disse…
Satisfação ler você aqui. Numa belíssima estréia, diga-se. E, eu agora já sei quem chamar pra dar pitacos nas minhas compras de sapatos... ehhe

beijo grande e seja bem-vindo!
r a c h e l disse…
Assino embaixo da Tia Claudia. :*)

Arrasou, moço! Ótima estréia, um ótimo texto sobre um tema aparentemente tão banal.

E sim, nós ficamos MUITO contentinhas... rsrs.

Beijo querido!
Anônimo disse…
Cara,

Melhor matéria que já lí nos últimos tempos. Escrita simples, as palavras caindo levemente, uma história banal, escrita com letras de ouro. No final um "show" - ensinar/aprender.Estou lhe aplaudindo de pé.
Dilma
albir disse…
Cláudia e Rachel,
por que é sempre tão bom encontrá-las em qualquer lugar?

Dilma,
quanta gentileza! Obrigado.
Por favor, mande sempre seu comentário.

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