PRESENTES >> Carla Dias >>

Desde que me conheço e desconheço por gente que presentear é quase um ritual. Não falo dos presentes sociais, às pessoas com as quais não tenho tanta intimidade. Falo sobre o presentear aquele que se ama e, por isso mesmo, a quem prestamos ainda mais atenção.

Já presenteei lua cheia num dia em que o outro estava precisando sumir do planeta terra. Às vezes, também é possível presentear com aquilo que ninguém possui, mas que pode alcançar com o olhar, com a alma, o significado da oferenda. Acontece até de estes serem os presentes mais significativos.

Certa vez, não era tão jovem, mas me deixei levar pela inocência da infância das amizades, e mandei a uma amiga um bombom todo enfeitado pelo correio. Claro que o pobrezinho chegou ao seu destino derretido que só e impossibilitado de ser devorado. Ainda hoje, quase duas décadas depois, eu e minha amiga ainda relembramos essa passagem com muito carinho e, claro, às gargalhadas! Portanto, posso dizer que esse presente-bombom ganhou a eternidade.

Na época do colégio, presenteei um amigo querido com um caderno brochura cheio de poemas que não foram escritos em outro lugar senão naquele presente. Durante muitos anos, eu fiquei sem saber desse amigo que reapareceu, recentemente. Outro dia, ele me escreveu e comentou que guarda este caderno até hoje.

Com outro amigo o café é sempre assunto. “Precisamos tomar aquele cafezinho”, é frase recorrente nas nossas conversas, porque representam os nossos bate-papos ao vivo e que são sempre muito agradáveis. E ele andou baixo astral... Impossibilitada de aparecer, recorri ao disque-motoboy e pedi que entregasse na casa dele um bolo para o café da tarde. Nem sempre é possível estar fisicamente no lugar onde deveríamos, mas isso não significa que não possamos fazer o melhor possível.

Prestar atenção àqueles que nos cercam e a quem dedicamos nosso afeto é essencial para lapidar a arte de presentear, que independe das datas do calendário. O filme preferido para um, o CD fora do catálogo para outro; presilha, livro, buquê de flores, perfume... O abraço na hora da necessidade por conforto, a companhia em plena solidão.

Também recebo presentes que, ainda que terminem, carrego para os dias que virão. O mais recente deles me levou ao circo pela primeira vez. Lembro-me, moleca de tudo, de me animar quando o circo estava na cidade. Havia um terreno enorme, ao lado do Jumbo Eletro Radiobrás (vocês lembram disso?) e todos os circos desembarcavam lá. Porém, nunca entrei, e nunca pensei em fazê-lo, até este presente.

Ganhei em junho de 2007 para o aniversário do mesmo ano e só o recebi no último domingo, 17 de fevereiro de 2008, lá no Parque Villa Lobos. Minhas amigas Rubia e Cris foram autoras deste presente e companheiras na hora de desembrulhá-lo. Para minha primeira vez no circo, nada como um espetáculo chamado Alegría, não? E foi a primeira vez que ganhei presente junto a 2.500 pessoas!

Presentear também pode significar apresentar ao outro um universo que ele desconhece. O Cirque Du Soleil foi um presente que levarei para sempre comigo; que despertou em mim um punhado de sensações boas e conclusões como a de que há muita gente por aí fazendo mais do que ser intolerante e cruel. Há dias para telejornais e outros para espetáculos de circo. E todo dia é dia de presentear.

E aproveito para mandar um presente para o Eduardo, pensando naquela coisa maluca que é a coragem: Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece (Nietzsche).

E acabei de ganhar outro presente: paciência, a ciência das esperas necessárias.



Comentários

João Grando disse…
Esta crônica me foi um pequeno circo e um pequeno jornal. Algumas notícias antigas (o bombom pelo correio é uma história para a dupla de amigas se orgulhar) e alguns números de dar esperança.

Presenteei-me com alguns minutos de Internet no meio do expediente hoje.

Parei neste site, nesta crônica. E ela não derreteu como o bombom, ainda está fresca.
Anônimo disse…
Presente foi ler esta crônica e sentir toda a sensibilidade que existe na autora dela.
O presente inesperado é o verbo amar conjugado em silêncio.
Que presente de crônica, Carla! Conhecer o circo pelo Cirque... É incrível como certas faltas estão apenas esperando o momento de se completarem de maneira extraordinária. A vida toda não é, assim, um presente embrulhado em paciência? Feito saber de você que, muitas vezes, um pouquinho de coragem já é coragem suficiente.
Carla Dias disse…
Pessoas...

Que leitura boa essa dos comentários!

João, adorei as suas palavras. Agora, mais do que nunca, percebo melhor o que o meu amigo Eduardo disse sobre a aventura de ler os comentários. É uma viagem pela viagem que o leitor fez... Será que a viagem tem fim?

Marisa, obrigada pela sutileza do seu comentário. Fico contente em saber que o meu presente também pôde ser seu.

Eduardo, meu amigo, coragem e paciência são boas coisas para cultivarmos, não? Um parzinho interessante. Então, que ambos possamos compreender esse caminho e trilhá-lo com aquela boa vontade de quem deseja sim desembrulhar a vida e celebrar o que ela nos oferece.

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