AH, OS AFETOS, SÃO OS AFETOS >>> Cristina Carneiro

Às vezes eu assisto televisão. De vez em quando, eu faço questão de assistir a um determinado programa, apesar de, volta e meia, esbravejar contra a TV. De verdade, eu tento assistir, diariamente, ao Recorte Cultural*. Até porque, a partir de que eu passei a morar sozinha, me senti obrigada a me apegar a muitas coisas, já que tem dias que o computador está chato, a concentração não está para leitura, não é sexta-feira, não tem ninguém esperando pro jantar, nem ninguém pra ligar, nem ligação pra receber. Eu careço reprimir minhas necessidades de conversar demais, conversar inclusive sobre meus novos métodos de lavar a roupa, de maneira que elas fiquem realmente limpas, cheirosas, não precisem de muito molho e não me matem de hérnia de disco.

Eis que decidi assistir aos “Queridos Amigos”. Nos últimos anos, desde “Um Só Coração”, nenhuma minissérie da Globo (é preciso admitir que, quando eles querem, fazem o que preste) me mantinha acordada, nem me despertava vontade de assistir de forma despedaçada, somente nas noites de insônia. Até que “Queridos Amigos”. Que passa tão tarde que preciso do despertador pra acordar na hora. Aí, assisto (até agora foram só quatro capítulos), sem pestanejar, com olhos marejados.

Tenho vontade de chorar por tudo. Pela vontade com que o povo daquele tempo vivia, pela paixão que eles tinham pela vida, pelo país, pela vontade deles de mudar o mundo (mesmo não sendo mais adolescentes**). Pela paixão que a Lena sente pelo Ivan. Mas, principalmente, porque é um grito por solidariedade, um grito por afetos e contra o individualismo. Tenho dó da minha geração, que cresceu tendo de dar certo, tendo de se dar bem e deixando a solidariedade em segundo plano, e o passar por cima dos outros, em primeiro. A inveja.

Veio a calhar essa série. Eu e meus amigos de angústia vínhamos buscando, de forma cada vez mais intensa, mil e uma teorias para a nossa angústia, que é uma angústia parecida com a do Léo, que tem tudo, pode ser tudo, mas não basta, quer os amigos de volta. Não basta a gente dar certo, ganhar um salário que pague as contas, viver confortavelmente, sem solidariedade, sem ter com quem compartilhar um desejo verdadeiro e coletivo. Um desejo que nos mova.

Eu marejo os olhos porque, hoje em dia, até insistir numa festa pra juntar um monte de gente diferente a gente não consegue. Por mais que todos os amigos do Léo tenham tomado rumos diferentes (alguns, rumos semelhantes, como o Ivan, o Tito e o Pedro, que trabalham numa revista chinfrim), eles têm uma luta em comum, que aconteceu no passado, que é doída, mas que é deles, um sentimento gêmeo.

Quem dera a minha geração tivesse uma luta em comum, mesmo que fosse velada. Mas não, cada um tem sua luta individual interna, e sai comendo pelas beiradas, pra ninguém ver, é a falta de solidariedade, falta de solidariedade de todas as formas, sentimental, intelectual. E a falta de afeto. E que lindo o Léo falando de afetos, são os afetos, os afetos. Quase não falamos em afetos.

Não é, propriamente, por saudosismo de um tempo que eu não vivi que eu vejo e marejo os olhos com “Queridos Amigos”, mas por querer mais afetos, mais solidariedade. Tirar o afeto um pouco de si, espalhar o afeto, explodir de afetos pelos amigos.

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*Recorte Cultural, às 20h30, na TV Brasil.

** Vocês já repararam que quando os adolescentes estão naquela vontade de mudar o mundo, todo mundo chega pra dizer que é fase, que vai passar, e que tudo vai ficar bem?

Comentários

Antes de qualquer outra coisa... que felicidade voltar a lê-la!

Peguei-me concordando com seu diagnóstico de falta de solidariedade, mas depois fiquei pensando que talvez estejamos apenas com dificuldade de ver um outro tipo de solidariedade: uma solidariedade que não é mais tão intensa quanto era necessário no regime militar. Esses dias mesmo, eu estava pensando nos meus grupos: são três, basicamente, de quantidade e qualidade variadas, mas todos com o mesmo sentimento de amor, de ajuda mútua, de ideais compartilhados. Então consigo ver uma solidariedade mais sutil, que não é mais uma questão de vida ou morte, dramática, explosiva; é apenas uma questão de vida. Uma solidariedade sem manifestos, sem bandeiras, uma solidariedade que brotou daquela solidariedade que foi plantada na terra dura.
criscalina disse…
Edu, existe, sim, solidariedade. Mais em alguns núcleos do que em outros. Eu, que conheço um de seus grupos, vejo muita solidariedade e amor. Eu consigo ver muita solidariedade e amor em alguns momentos de minha vida, mas, na maioria das vezes, as pessoas são muito invejosas, nada solidárias e só querem se dar bem. Mas, enfim, acho que concordo com você. Do mesmo jeito, os tempos de hoje é fruto de uma semente plantada na terra dura, na terra da desilusão em relação a tudo aquilo em que se acreditou um dia. Só o tempo vai dizer o que vem daqui pra frente. :)
Beijo,
Carla Dias disse…
Eu descobri tardiamente a amizade que também implica em ideais e idéias. Tardiamente, mas não tarde demais. Acho que a diferença daquela época para esta; de outras gerações para a nossa, é que temos sim esse quê individualista, então demoramos um pouco mais a nos unirmos uns às buscas e achados dos outros. Mas chegamos lá...

Tenho meus dias de achar que o ontem foi tão significativo quanto hoje jamais será. Mas que! E a velha história de que ontem já foi hoje?

Acho que nada vai passar, mas ainda podemos fazer com que tudo fique bem.
Dona Baratinha disse…
Cheguei aqui por acaso e já me encantei!
Você conseguiu descrever exatamente o que sinto, incluindo a parte de morar sozinha.

E essa falta de grupos me arrasa o coração. O afeto, a companhia, o partilhar. Tudo isso é tão necessário e tão profundo que a gente só se dá conta quando está longe deles.

Tenho amigos tão preciosos que me dói o peito fisicamente de tanta saudade...

Parabéns, adorei, vou voltar sempre!

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