NENHURES >> Carla Dias

Não seria melhor falar menos mal do mundo? Se decidirem que ele está sem condição, o que vai ser da gente? Ah, mas a gente sendo é o que anda desandando o mundo, né? Entendi. Me dá um segundo? Deixa eu procurar uma palavra no dicionário. Expandir o vocabulário não é passatempo, embora alguns passem um bom tempo na função, e pode me incluir nessa. 

Sabe, uma vez me tentaram me insultar me chamando de destrambelhada. Eu ainda não sabia reconhecer ofensa, tampouco conhecia o termo. Além disso, ele me cativou na primeira consulta de significado. Adotei pra vida. Tom é tudo, né? Já reparou como apelido besta pode ficar bonito quando conectado ao ser de uma pessoa? Mas aí é culpa dela? Dá pra culpar alguém por ser tão interessante, a ponto de fazer apelido besta reverberar feito elogio? Sei... o mesmo serve para piorar o que já é ruim. 

Atrasada. Me dá um tempo pra responder mensagens, tomar mais uma dose de café, apagar pastas desnecessárias de diretório superlotado - tal qual metrô em horário de pico. Andar de metrô me deixa um tanto lesa. Sem janela a oferecer vista contínua de paisagem, evito encarar os passageiros, por conta da necessidade de haver um ponto no qual ancorar o olhar. Olhar no olhar permite a entrega da nossa verdade, em partes, e, às vezes, soa feito mentira. O falado, nem sempre tão convincente quanto o sentimento. 

Voltando ao metrô: confiro o nada passar rápido, apegado aos riscos na parede do túnel e aos cabos e corrimões internos. Adoro quando o trem estaciona na plataforma e revela o lá fora, de raspão. Foi construído assim, né? Parece pouco, e, de repente, se torna mais do que o prometido. Chega até a mudar o que parecia verdade, mas não passava de uma versão dela. 

Acontece de, naquele túnel, também se revelarem desenhos, réplicas de obras de arte estampadas nos anéis de concreto, embelezando a espera pela partida. Partir nem sempre é fácil, né? Mas é preciso, fazer o quê? 

Pronto. Gosto de organizar espaços e objetos, mas me falta talento no que se refere aos pensamentos e às planilhas. Espera... trancando a porta. Com as planilhas eu até me viro, já os pensamentos têm vida própria. Tenho vida própria justamente porque eles não são educados ou dados a me poupar. Tem dias que acabam comigo, viu? Dizem tudo assim, na lata - um tudo de doer. No dia seguinte, lá estão eles, assoprando mágoas pra ver se melhora. Talvez por isso eu passe tanto tempo na companhia deles. Eu os acato, descarto, organizo (e eles se desorganizem em seguida). 

E estava quase esquecendo... nos vemos lá? Poxa, sou meio perdida. Lá fica onde mesmo?  

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carladias.com.br

Comentários

André Ferrer disse…
Ganhar o apelido certo é o mesmo que encontrar um bom conhecedor da nossa alma? Excelente texto.

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