TEXO >> ALLYNE FIORENTINO

 


“Andei pelo corredor imenso, que hoje mais parecia ter meio metro de comprimento, adiava meus passos na medida em que pensava com que cara olharia para ela. Deveria ter me vestido melhor hoje, mas pelo menos meus tênis estão limpos... Andei cabisbaixo, repensando minhas ações. Tentando criar uma retrospectiva que pudesse justificar aquilo que eu fiz. Como eu pude? Meu deus, como eu pude errar desse jeito?”

— Mas do que você está falando, man?

— Acredite, o pior de tudo é se você chegar tiver de subir pra sala da Rosana, a diretora. Ah! Espera pra você ver se um dia te mandarem pra lá... Aí você tá ferrado.

Eu ouvia a história que ele contava ainda incrédulo, mas me sentei como se sentam em voltas fogueiras para ouvir uma história de guerreiro, uma lenda fantástica da tribo, dando-lhe toda minha atenção como se aquilo realmente fosse importante.

“Minha mãos estavam geladas naquele dia, e logo eu que tenho pressão baixa, estou sempre com mãos e pés gelados. Os pés têm fungos, claro, vivo de tênis. Não tem como não ter. Eu precisaria de um podólogo, mas eles cobram muito caro, aliás tudo está muito caro. Muitíssimo caro, um absurdo!”

— Realmente está tudo muito caro, mas continue! O que aconteceu naquele dia?

“Ah sim... Eu estava com muita vergonha, mas eu tive de encarar a diretora. Sabia que eu ia levar uma advertência, mas queria recebê-la com dignidade ainda. Eu sei que a culpa foi minha. Mas aquele dia eu estava apressado com as tarefas, tinha uma excursão pra ir, deve ter sido isso... meus pais estavam longe também e eu posso ter me excedido nas brincadeiras. Bem feito pra mim! Fui mandado pra sala da diretoria!”

 Eu tentava a todo custo disfarçar minha cara de quem poderia estar conversando com D. Quixote, mas não sei se logrei muito, nesses momentos minha mente vagueia pensando mesmo que posso ter entrado em um vórtice temporal e eu olho em volta para ver se eu não estou mesmo na minha antiga escola, com as cadeiras de um braço, típicas de colégio antigo, revejo se meus cadernos e lápis de cor não estão sobre a minha mesa... Não estão! Eu tenho mais de 30 anos já.... E aí eu não aguento, interrompo a história e brado em um tom de voz mais alto:

— Cara, você sabe que é funcionário desta escola, não é? Você não é aluno! Você se lembra disso? Disse eu, com a voz de “meu zeus do olimpo, será que ele sabe que tem mais de 40 anos e é um profissional?”

— Ah mas é normal né... a primeira advertência é verbal, a segunda é por escrito. Mas a culpa foi minha mesmo. Eu mereci!

Ele dizia isso achando mesmo que isso era normal, com a voz calma dos resignados, daqueles que aceitariam não só os moinhos de vento, mas que era impossível vencê-los. O que é um D. Quixote despido de sua coragem? Apenas um... enfim... Como Sancho Panza, eu entrei na história, dizem que não podemos contrariá-los:

— Mas o que, afinal de contas, você fez?

E ele respondeu:

— Eu escrevi “Texo” em vez de Texto! Olha que loucura! Texo... — e ria, inclinando a cabeça pra trás enquanto contava isso — “texo” é pra acabar, não é?

Virou-se, pegou sua marmita de CLT e foi pro recreio.

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Imagem: Freepik

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