MEIO DA SALA >> Carla Dias
Esfrega o rosto com as mãos espalmadas, narinas assanhadas pelo perfume das gardênias do jardim.
Fim de inverno, o verão a irritar sua expectativa, apesar de a primavera exuberar sua cor, no papel de intermediária. Tem preferência pelo frio, o que sabe — considerando a pessoalidade de tal preferência — em nada afetar os afazeres do mundo. Seus olhos se dilatam e fincam olhar nos felizes a entoar cantoria desafinada e movimentar-se em danças espetaculosas, do outro lado da rua.
Gosta de observar as pessoas em dia de celebração. Tem aversão a sequer se imaginar participante de uma festa daquela, mas, não raro, permite-se seduzir pelo aprazimento de observador do momento em que as elas se entregam completamente ao prazer do momento. Sente como se assistisse o despir-se do pudor em benefício de um breve prazer gerado no ventre da invencionice. Ainda assim, espectador.
Não se demora na observação, satisfaz-se com a brevidade dos minutos. Entra e fecha a porta, mantendo a mão na maçaneta por um momento, o som da balburdia ainda soando pelos cômodos, mas longe, não demorou a se tornar quase um sussurro.
Esperou o silêncio se ancorar de vez na casa.
Voltou ao jardim, precisava garantir que tudo estivesse como deveria para a próxima floração. Prometeu ao irmão que sempre haveria gardênias nele, “a beleza tocável”.
Intocável é ele, o outro, o irmão não estar mais no quarto dos fundos, escutando discos de música duvidosa, conversando com amigos apreciadores de pirraças e o riso solta diante de piada sem graça. E de se apaixonar a cada cinco semanas. Nunca entendeu esse período determinado, e o outro até tentou explicar, o que acabou em uma discussão desimportante sobre prazo para descobrir que não daria certo.
O que não deu certo foi compreender, na prática, que certas faltas podem encher alguém de ocorridos alheios. E que eles se tornam preenchedores de expectativas, incrementadores de saudade, coordenadores de ausências.
Depois das sete, o bairro mergulha no silêncio da noite. Ele acredita que muitos devem levar seus barulhos de brigas, contentamento, indisposição e prazer aos cômodos de suas próprias casas, motivo que o fez garantir nunca viver em uma de parede-meia. Basta-lhe as rebordosas das suas emoções, ora o fazendo sentir constrangido consigo, soprando em sua realidade o avassalador sentir, de lhe arrancar lágrimas dos sentimentos. “Homem não chora”, o irmão dizia, repetindo um ensinado no qual teimava em acreditar. Minutos depois, deitava-se no sofá, rendido, libertando lágrimas de lamento, de tristeza acolhida, e também as espraiadas em gargalhadas de aprazimento.
Não gosta de silêncio barulhado desse jeito, de ruir positividade, bem-estar, ou qualquer termo amparador de esperança. Não acredita na esperança, mas também não a descarta.
Deita-se no sofá, encolhido, compreendendo onde o corpo começa-termina-começa, embrulhando — pele-papel-amassado — vista cansada, cabelos ralos, dores acompanhantes que jamais partirão de suas juntas.
Desenrola-se, pernas esticadas, enfrentando dores acompanhantes que não aceitam dispensa. Levanta-se, os braços ao alto. A chuva, maestrina, lidera a cantoria dos telhados. E ele, no vazio do meio da sala, dança, as dores conformadas, rendidas diante de sua ousadia. A gargalhada do outro ecoa em seu dentro. A coreografia da saudade em um giro.
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