BEM-VINDO, INTRUSO
É comum acontecer de me interessar por assuntos que não fazem muito sucesso entre
os
amigos ou familiares. Notícias que passam batidas no cotidiano conseguem me seduzir
por dias. Exemplo disto é o objeto interestelar 3I/ATLAS identificado pela NASA no
início desse mês.
O visitante não é da nossa galáxia, tem mais de 10km de diâmetro, apresenta um
comportamento diferenciado, uma velocidade absurda e uma luz intensa. Sabe-se agora
que é um cometa ativo e está à mesma distância da Terra que Júpiter. Por sorte, não
ameaça colidir com nosso planeta. “Tá bom, e daí?”
Pois é, daí nada! A informação obtida com muita leitura é só mais uma novidade sem
grande apelo. Mas confesso que isso me fez refletir por um tempo. Como assim um
visitante adentra a nossa casa, não se apresenta, não traz presentes, passa por vários
cômodos, espia nossa bagunça e sai à francesa, sem maiores explicações? Me senti
invadida e subjugada.
Por outro lado, embora o considere meio enxerido e até um pouco mal-educado, preciso
assumir que admiro a coragem de desbravar o universo, a curiosidade pelo que está
além dos muros e o desejo de liberdade.
Estava a ponto de pegar implicância com o sujeito, quando ponderei se não estaria
acontecendo com ele o que se deu comigo na adolescência: se sentir estrangeiro,
inadequado em todo lugar e precisar promover rupturas, se lançar em novos ares. Não
por problemas ou incompatibilidade com as pessoas do convívio, mas pela necessidade
inexplicável de expandir, alargar as fronteiras do existir. Uma urgência em pulverizar-se
por aí. Se deixar fluir e desenhar os rastros da descoberta de si.
Dizem os pesquisadores que ele vai seguir viagem. Não ficará por aqui. Será que
admirou a paisagem? Teve vontade de fazer morada ou se convenceu do seu lugar?
É bom que saiba que aqui não é a casa da mãe Joana, não. Se quiser ficar, logo
começaremos o interrogatório: já escolheu uma profissão segura? Hetero? Casa quando?
Quer ter quantos filhos? Por que não estuda pra concurso?
Talvez já tenha sentido o clima, a pressão por sucesso, pela felicidade absoluta, e, por
isso, passará voado, sem querer muito papo ou aproximação.
Iluminado como todo ser livre.
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