O DIA EM QUE BLUE ANNE PRECISOU DE AJUDA- 1ª parte >> Zoraya Cesar


UMA HISTÓRIA DE AMOR, AMIZADE, TRAIÇÃO E MORTE

Primeiro, vamos aos personagens. Porque sem eles não há história. E sem história, não há vida, não há morte.

Vamos começar falando da protagonista, como esperado. 


Blue Anne, assassina de aluguel. Assassina com princípios morais, esclareça-se: não matava crianças nem animais, não matava por questões de religiosidade ou política e só aceitava serviço quando, em seus conceitos, o alvo merecia morrer. Acreditava ser uma espécie de faxineira, varrendo a escória do mundo para debaixo da terra. Uma faxineira regiamente remunerada, o que tornava o trabalho perfeito: ganhar bem para fazer o que gosta - matar escrotos. Blue Anne cobrava caro - investira muito dinheiro, energia e anos de juventude em sua especialização, merecia retorno, dizia. Recebia seus trabalhos por intermédio de uma agência internacional, onde começara a carreira.  

E seu nome, era um alias? Não, era seu nome de batismo mesmo. Sua mãe admirava a pirata Anne Bonny e seu pai amava a cor azul. Coisas de família. Uma família bastante amorosa, por sinal, estruturada e digna. Porque Blue Anne escolhera profissão tão, digamos, inortodoxa, poucas pessoas sabiam. E os que não sabiam não ousavam perguntar. Ela era quem era, e pronto.

 OS AMIGOS

Condessa Diana Alle D'Olblac. Condessa mesmo, linhagem italiana de nobres decadentes que tiveram de se reinventar, tal qual a família Salina, de O Leopardo, seu livro de cabeceira. E nessa reinvenção pouco romântica coube negócios com a máfia e altre cose in più. Ligações com o mundo do crime e seus habitantes, propriamente, ela não tinha. Mas de sua história familiar ela herdou duas coisas: uma fortuna escandalosa e uma personalidade fria e sarcástica, uma pré-psicopata que não tinha limites muito definidos a não ser sua lealdade e amor pelos amigos. Fazia qualquer coisa por eles. Qualquer coisa mesmo. Tinha inteligência e meios para isso.


E, por fim, e não menos importante, Aindrius O’Chimbiok. Sua trajetória era ainda mais obscura que a das mulheres acima. Sabe-se, somente, que é um bioquímico brilhante, o mago dos venenos sutis e irrastreáveis. E que se arrisca em provocar algumas explosões de vez em quando. Ganha cascatas niágaras de dinheiro na Deep Web e gasta com a mesma facilidade em insumos para suas poções, motos e mulheres, necessariamente nessa ordem. Gosta de trabalhar ao som de Dead Kennedys e Grateful Dead.

O ANTAGONISTA

E o antagonista? Em toda vida há um, certo? Certo. Será conhecido em breve.  

Feitas as apresentações, vamos a essa história de amor, amizade, traição e morte, como toda boa história que envolve assassinas moralistas, condessas ricas e bioquímicos endividados.

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NO COMEÇO, TUDO PARECE BEM

Blue Anne preparou o café e sentou-se na varanda com vista para as montanhas e o mar. O sol estava cálido e afetuoso e o cheiro de maresia com seiva inebriava os sentidos. Ainda havia umas gotas de orvalho nas folhas e os insetos começavam a zumbir. O dia prometia ser maravilhoso, perfeito para ler um contrato que envolvia muito dinheiro e um pouco de ação.

O serviço parecia fácil; o pagamento era bom; e o empregador sempre fora honesto. Tentador. Mas o diabo, pensou ela, é sempre tentador.

Pois não existia serviço fácil. Em seu ramo de trabalho, o inesperado era sempre esperado. Num último suspiro o fácil poder-se-ia transformar em desastre. Ademais, por que pagariam para ela fazer um serviço fácil, quando havia tantos que o fariam por preço bem menor?

Pagamento bom. Hummm, a isso estava acostumada. Mas há muito tempo que dinheiro não era a força motriz para aceitar um trabalho. Estava muito bem de vida, nessa e para algumas encarnações. Quanto mais dinheiro mellhor, claro, mas tinha de valer a pena.

Quanto à honestidade do empregador... bem, isso pode variar bastante conforme as circunstâncias. Quem é correto hoje pode, por conveniência, ser o desonesto de amanhã.

Enfim, ao analisar um contrato, havia que pesar todas essas variáveis. Não que ela não tivesse cometidos alguns erros, mas muitos de seus colegas não chegaram à aposentadoria por terem esquecido a máxima ‘seguro morreu de velho; o desconfiado ainda tá vivo’. E havia aqueles que viraram adubo precocemente por se acharem tão bons que, orgulhosos, deixaram a cautela de lado. Não à toa, persignou-se ela, o orgulho era um pecado capital.

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O ALVO. E O DETALHE QUE ESCAPOU À PRIMEIRA VISTA

O alvo era um famoso empresário do ramo farmacêutico que mantinha um laboratório clandestino de medicamentos adulterados, vendidos no mercado negro para populações e países pobres. Com o dinheiro, além de enriquecer, financiava políticos corruptos de viés belicista. Imundos, escumalha da humanidade. Já estava gostando da missão.

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 Quando terminou de ler, o mundo repentinamente acinzentara. O café esfriava na xícara, o sol tornara-se gelado, ela tremia de frio, sentia agulhas perfurando seu corpo. O dia murchara, ela também.

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O chefe de segurança do tal empresário. Um dos melhores do ramo, um profissional da espionagem, assassínio e sequestro, um homem sem compaixão, sem sangue nas veias, sem escrúpulos. Um sedutor irresistível. 

E que fora o grande amor e a maior decepção da vida de Blue Anne.

Estavam há mais de ano juntos quando ele a traiu, traiu por dinheiro e ego, e Blue Anne só não morreu porque Diana veio em seu socorro. E, ainda assim, ela não teve coragem de puxar o gatilho. Ele escapou.

E agora, eis que, tantos anos depois, o destino os juntara novamente.

Fechou os olhos, deitou a cabeça para trás, puxando grandes golfadas de ar, sufocada pela certeza de que ele sabia que Blue Anne seria sondada para aceitar o contrato, e pela consciência de que ele viria atrás dela de qualquer maneira, não iria arriscar. Afinal, ela o deixara com vida uma vez, não cometeria esse erro novamente.

Mas, da parte dela, Blue Anne duvidou de si mesma. Não era nenhuma psicopata, não saía matando antigos amores por aí.

Levantou, as pernas bambas. Para escapar de ser morta e cumprir sua missão – sim, aceitaria o serviço, não tinha opção - precisava de ajuda.  

 



Continua dia 4 de junho

 As imagens do Trio da Morte foram cedidas pelos próprios por intermédio de Nadia Coldebella

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Outras aventuras de Blue Anne

Blue Anne

Não pechincharás, não desprezarás mulheres de aparência frágil - 1a parte

Não pechincharás, não desprezarás mulheres de aparência frágil - 2a parte

Não pecnhincharás, não desprezarás mulheres de aparência frágil - 3a parte

Sugiro também a leitura de O Leopardo, Tomaso di Lampedusa

imagem Anne Bonny https://www.deviantart.com/cyberaeon/art/Anne-Bonny-907920591

 Anne Bonny – wiki: Anne Bonny foi uma pirata irlandesa que atuou no Caribe durante o século XVIII, conhecida por sua ousadia e por lutar ao lado de homens, desafiando as normas da época. Ela se juntou à tripulação de "Calico Jack" Rackham e, juntamente com Mary Read, também pirata, aterrorizou os mares. Capturadas em 1720, ambas foram condenadas à morte, mas tiveram suas sentenças suspensas por estarem grávidas. O destino de Anne após isso é incerto, com diversas versões sobre seu futuro, incluindo um possível retorno à vida familiar ou a retomada da pirataria sob nova identidade. Versão IA

 




Comentários

Nadia Coldebella disse…
Já vou dizendo que adorei. Espero ansiosa a parte dois.
André Ferrer disse…
Há tempos, quero deixar o SUS e fazer algo mais emocionante. Justificar a existência do Andrius na ficção. Ah! Preciso comprar uma moto e dar asas à ousadia. Dominar a Deep Web. Tirar o meu livro de poções do projeto. O seu texto é preciso e cativante como sempre. Em 4 de julho o pau vai comer. Espero que o tempo passe logo.
Marcio disse…
Ler um texto da Zoraya é como ver um filme de faroeste. A gente sabe que vai haver pelo menos uma morte.
branco disse…
Está prometendo e em dose tripla. Ao final do epílogo tenho certeza que vou comentar que cumpriu com sobras.
Érica disse…
Esperando a segunda parte para comentar kkk

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