BORBOLETA >> JANDER MINESSO
Peguei um trânsito desgraçado na Raposo Tavares. Já passava do meio-dia e, sob o pretexto de tapar um buraco no acostamento, a administradora da via bloqueou a faixa da direita por três quilômetros. Apesar do outono, o calor entortava o horizonte enquanto a fila de carros se arrastava pelo asfalto.
Eu vinha de uma reunião onde era o único cara de camiseta na sala. Todos os outros usavam camisas de manga longa abotoadas até o pescoço. A ideia era discutir um projeto novo, mas a maior parte da conversa girou em torno da fortuna estimada da família Safra e do fato que a última festa da Forbes fora deveras caída.
Antes disso, ainda encarei quarenta e cinco minutos de trânsito no brejo gourmet da Vila Olímpia. Ao longo do caminho, três motoboys me cortaram pela direita. E o motorista da Tucson na minha frente deve ter visto algo muito interessante no celular enquanto o semáforo da Atílio Innocenti ficava verde, depois amarelo, depois vermelho outra vez. Tudo isso aconteceu depois que saí de casa brigado com a minha companheira por algum motivo muito importante, mas que já esqueci.
Enquanto repassava esses acontecimentos na memória, o trânsito da Raposo parou de vez. Respirei fundo. E então, me peguei olhando para o capim alto na beira da estrada. O céu além do matagal parecia roxo de tão azul. Tudo era estático, feio, duro. Até que, em meio àquela secura, apareceu uma borboleta amarela. A criatura flanava pela vegetação torta, alheia ao engarrafamento, rodopiando para lá e para cá. Me lembrou uma crônica do Rubem Braga em que o narrador sai pela rua correndo atrás de uma borboleta, fascinado com o abandono do inseto. A lembrança me fez sorrir até não sorrir mais. A borboleta foi embora. Ainda fiquei uns quarenta minutos parado.
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Imagem: Erik_Kartis por Pixabay
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