A CORUJA >> Sergio Geia

 


Se você me acompanha há algum tempo deve saber. Certa vez cismei de escrever sobre uma tartaruga; eu acabara de comprar uma. Na verdade, era uma crônica-pegadinha. Explico. 
 
Quando estive em Salvador, comprei uma tartaruga. Era um adorno de sala, uma bela tartaruguinha feita de isopor e plástico. A loja tinha dezenas delas e ficava na Praia do Forte. Elas balançavam as cabecinhas impulsionadas pela brisa que vinha do mar, talvez por isso, chamaram a nossa atenção. Havia tartarugas grandes e pequenas. Escolhi uma pequena, graciosa, lindinha. 
 
Então comecei a crônica-pegadinha dizendo a verdade, sim, era a mais tesa das verdades que eu havia comprado uma tartaruga. Só omiti que se tratava de um enfeite de sala, puro artesanato. O leitor, à medida que avançava em sua leitura, era induzido a supor que eu adquirira uma tartaruga de verdade. Um embuste. No final, claro, eu conto. 
 
Revendo agora o meu arquivo de crônicas, encontrei diversas que trazem a temática dos animaizinhos e afins. Além de tartarugas, já escrevi sobre cães, gatos, garças, enguias, sanhaços, porco-espinho, pitaguás, e mais de uma vez, corujas. 
 
Mas antes que você já comece a suspeitar de que se trata de mais um embuste, eu me antecipo: não, desta vez eu não comprei uma coruja, e nem se trata de uma crônica-pegadinha. É que hoje à tarde eu me deparei com uma, aliás, algo absolutamente trivial aqui no centro. Conversávamos na calçada da JK, eu, Beto, Maria Alice e Giulianna. De repente, apareceu o casal empunhando a garbosa. Maria Alice se empolgou: 
 
— Olha! Uma coruja! 
 
Era uma coruja bem cuidada, vinha no braço do rapaz. Plumagem bem aparada, vistosa, branca, meio acinzentada, meio bege, parecia uma deusa, altiva, soberba, graúda, olhos esbugalhados. Ficamos ali hipnotizados com a presença daquela rainha dos mistérios, com vontade de tocá-la. Queríamos sentir a maciez daquela plumagem, partilhar de alguns poucos minutos que fossem da presença daquela figura ilustre. 
 
Infelizmente o casal não parou, sequer nos olhou nos olhos, ainda que nossas bocas estivessem congeladas em largos sorrisos, ainda que estivéssemos suplicantes por um olhar apenas, um olhar da soberana da noite, da grande conhecedora do oculto. 
 
Então ela se foi, como uma rainha...

Comentários

Sylvia Testa Braga . disse…
Você é uma pessoa que nos empolga com suas crônicas.
Essa da coruja linda de plumagem excitantes fez até que eu quisesse ter visto também.
Gostei , você joga as palavras de tal maneira que nos faz ficar querendo ver o fim da crônica, aliás sempre de muito bom gosto e falas de coisas que nos empolga e queremos ver o final.
Parabéns Sérgio Geia . Gosto e leio com muito gosto.
Zoraya Cesar disse…
Sergio, eu lembro dessa da tartaruguinha! lembro tb q me pegou na pegadinha hahaha.
Essa de agora é uma lindeza e uma covardia. Uma lindeza, pq vc escreve bem demais. Uma covardia pq eu amo corujas!
Nadia Coldebella disse…
Ah, as corujas... são animais tão intensamente fofos e misteriosos! Eu tenho a sorte de sempre ver uma aqui na minha rua. Uma parda, que a noite fica num fio de luz, emitindo aqueles piados calafriosos...
Que lindo, eu teria ficado igualzinho vocês, doida pra ter uns instantes com a coruja. Também adoro quando encontro animais no caminho, fiquei curiosa para ler suas crônicas sobre os outros animais :)
sergio geia disse…
Sylvia, Zoraya, Nádia e Alfonsina, grato pelos comentários e pelo carinho de vocês.

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