Alma Parte III >> Alfonsina Salomão
Alma sentia que era tudo muito esquisito e que deveria fazer muitas perguntas, mas por uma razão desconhecida não foi capaz de formular nenhum questionamento. Era uma sensação nova: sentir que deveria pensar e não conseguir. Estava consciente da anormalidade da situação, sabia que deveria achar tudo muito bizarro mas, ao contrário, nunca se sentira tão em casa, nunca pertencera tanto. Esta pequena obrigação auto imposta de intrigar-se quase quebrou o silêncio. Quase. Porque, por mais que uma parte de Alma resistisse, o Silêncio era mais forte. Era isso, estava no Silêncio. Então o Silêncio era um lugar, quem diria.
Fechou os olhos e saboreou o Silêncio durante alguns segundos, ou horas, não sabia. Ao abri-los, estava face a face com uma mulher cuja idade não soube definir. Talvez tivesse trinta anos, talvez sessenta, quem sabe até noventa. Seus olhos a miravam com tamanha doçura que Alma não notou se havia rugas em seu rosto. Seus cabelos eram brancos, ou seriam prateados? Seriam antigos ou apenas mágicos? Cogitava isso quando a mulher colou a testa na sua. A menina sentiu que estava num colo imenso, o colo do mundo. Um colo ainda mais amoroso e disponível que o de sua mãe quando era pequena e se machucava. Um colo que não exigia, não julgava, não perguntava. Um colo que era Amor puro. Silêncio e Amor. Chorou, chorou, chorou. Chorou mais lágrimas do quê pensava caberem no seu corpo. Chorou um imenso rio prateado que se misturava às longas mechas prateadas da mulher e fluía livre até aonde a vista se perdia. Chorou compulsivamente, desajeitadamente, pontuando as lágrimas e gemidos com soluços e fungadas. Quando por fim parou, admirou as curvas do longo rio prata. "Todo mundo devia poder se entregar assim uma vez na vida". Pensou isso e dormiu.
Ao acordar, estava em cima da árvore. O sol já tinha partido e dado lugar para a noite. Uma noite escura, sem lua e quase sem estrelas. Lá embaixo seus irmãos, pai, mãe e vizinhos gritavam seu nome. Alma, Alma... A voz de sua mãe tremia, todos pareciam muito preocupados. Balançou a cabeça e compreendeu: dormia há horas, estavam à sua procura. “Devem gostar mesmo de mim”. Ia levar uma bronca, mas o que importava? Sorriu e caminhou ao encontro dos seus.
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